Lisboa Dance Festival
LX Factory, Lisboa
10-11 Mar 2017
Ainda bem que o sol decidiu dar um ar da sua graça nestes últimos dias. Caso contrário, não seriam os caminhos, todos eles, a dar até ao Lisboa Dance Festival, mas sim os pantanais - já que a terra, as obras e o cocó de cão espalhados na rua que dá para o Lx Factory poderiam ter sido muito, muito mais incomodativos sob chuva. Felizmente, ali dentro, no espaço carregado de espaços onde se desenrola o festival, não chove - há apenas algum fumo, pouca gente à hora de início, e uma deliciosa atitude de rebeldia presente numa das escolhas de Davide Pinheiro e Vítor Belanciano no seu B2B: "A Formiga No Carreiro", de Zeca Afonso. Claro que se o objectivo fosse o de épater la bourgeoisie, a "Carvalhesa" teria sido uma melhor opção...

Mas não viemos aqui para ser políticos, porque para isso já bastou a merda que invadiu a FCSH ao longo da última semana. Viemos pela electrónica, em todas as suas vertentes, dos lives aos DJ sets, das talks às masterclasses. Só não viemos - e perdoem-nos por isso - pelo trap, porque não o percebemos, e porque o odiamos, e talvez uma e outra estejam correlacionadas. O que não significa que Holly Hood não tenha qualidade, ele que ali foi apresentar o seu novo álbum. Nós é que não lhe atribuiríamos um Óscar.

Pouco tempo depois, e ressalve-se realmente a pequenez do tempo passado - um concerto acaba e rapidamente outro ocupa o seu lugar, no mesmo palco -, Jessy Lanza mostra, por entre os dois últimos golos do Futebol Clube do Porto em Arouca, a sua synthpop suave, de tonalidade quase ambiental e saída directamente da M80, quando o que se impunha seria algo mais dançável. Ela lá o percebeu, e impôs-lhe um beat a puxar tal actividade, primeiro em registo slowdancing (com a sua mui sensual voz a ajudar à festa) e depois com roupas assumidamente house, fazendo, realmente, suar todos os que marcaram presença na fábrica. I'm tired..., disse ela, antes de arriscar um momento a cappella, e antes de se rir da figura deste escriba, na sua cara, ele que abanou estupidamente o seu corpo durante o set de TOKiMONSTA.

TOKiMONSTA essa que subiu ao palco disposta a partir tudo, tal como foi possível constatar após uma ida fugaz ao The Dorm, para espreitar Nitronius e Darksunn a espalharem magia pelos pratos. Isto é hip-hop, sim, mas um hip-hop impossível de definir; é cósmico, talvez, acídico, parece, fenomenal, certamente; é uma série de roupas num só corpo, dezenas de categorias musicais num plano musical apenas; uma Flying Lotus, o que já seria bom, mas que aqui é ainda melhor. Se TOKiMONSTA puxava pela loucura nos momentos drum n' bass, é numa incursão por "Alright" (Kendrick Lamar) que deixa toda a gente histérica. E o final, com uma versão em speeds de "Harder, Better, Faster, Stronger", dos Daft Punk, fechou com chave de ouro esta sessão de hora e pouco de dartudismo. Gigante.

Daft Punk, os mesmos que poderiam ter sido os Beatles da electrónica século XXI, caso não tivessem descido de qualidade após Discovery, e que foram homenageados por Moullinex numa das seis horas que passou em torno da mesa, numa sala que mais parecia um enorme deserto tal era o calor. A prova de resistência foi acompanhada por muitos, sendo que ali entramos a tempo de ouvir "Revolution 909", faixa - e vídeo - icónicos, e depressa saímos porque desidratamos facilmente. E porque do outro lado, na Ler Devagar, seria a vez de Batida nos pasmar, e a muito boa gente. Boombox em palco e uma voz oriunda não se sabe lá muito bem de onde a adverter: a pista de dança é o pior sítio para se ter uma conversa. Isto porque, valha a verdade, poucos eram os que ali estavam calados, fazendo-nos temer que o espírito de 2016 tivesse regressado em força. Num DJ set adaptado para a rádio ou vice-versa, ainda foi possível escutar algum feedback, plantado de forma troll na ânsia de ver aquela gente fechar a matraca, mas sem sucesso - e nem a música, e nem uma "Bazuka" foi capaz de abafar a conversação. Entre diálogos mais ou menos imperceptíveis e baixas constantes no volume, Batida foi levando alguma água ao seu moinho; mas teria sido muito melhor se tivesse mantido o feedback durante duas horas. Somos malta do noise, afinal de contas.
· 13 Mar 2017 · 23:15 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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