Canecas Fest - Killimanjaro / Catacombe / The Black Wizards / The Black Zebra
Canecas Bar, Paços de Ferreira
24- Abr 2016
Domingo, véspera de revolução, uma lua cheia (quase premonitória) no alto horizonte, jornalistas sem GPS perdidos em Paços com tunnings ao barulho – e que barulho - e um festival à espera. Só assim se desculpará o atraso com que entramos no Canecas Fest 2016 e que cortou as letras a uma abordagem mais alargada ao primeiro concerto da noite, no caso, os The Black Zebra.

O astrolábio moderno falante de que falávamos decidiu-se, entretanto, a dar-nos as indicações, apesar da comunicação se processar por enigmas, e lá se deu com o Canecas Bar a beber, ainda, os primeiros finos da noite. Mas chega desta perdição e voltemos olhos e almas para uma outra, muito melhor e mais profunda, a da felicidade que encontramos na música de qualidade, porque é dessa felicidade e qualidade de que falaremos a partir de agora. E da mãe do Zé, vocalista dos Killimanjaro, com quem o Bodyspace teve o prazer de andar no mosh…

Primeira nota para “Children”, primeiro single extraído do segundo disco da banda de sua graça Nonsquare. Ainda a digerir as acreditações e o espaço envolvente, espaço bem frequentado diga-se, apanha-se com esta canção que puxa os miúdos “zebra” para o post-rock de destino, ainda que as saudades do stoner se façam sentir de quando em vez. Apesar de, necessariamente curto dadas as vicissitudes da viagem até à “terra dos móveis”, este vislumbre de “zebras pretas” pareceu encantar o muito público presente.

Zebras no “curral” Black Wizards a caminho ou como diz uma eufórica “festivaleira” que mais à frente iria sentir a força do Bodyspace (don’t mess with us) no seu queixo: “Oupa!”.

Montados na sua sonoridade “sessentista”, os fuzzadelics The Black Wizards de tom luminoso, captaram atenções e headbangings de quem os viu e ouviu, bom de ouvir atente-se. Joana Brito,vocalista e guitarrista, que cavalga uma voz limpa e pujante sempre com um ar de quem não “está para aturar merdas” vai fazendo estragos à passagem dos minutos e das músicas trazidas na máquina do tempo em que viajaram até Paços. “Blindfold”, a primeira a soltar gritos, embora tímidos, entre a multidão de metaleiros, hipsters mais ou menos envergonhados e demais fauna presente. Músicas prolongamento em gemido contido, poder-se-ia assim catalogar o reportório tocado, mas seria pouco afirmá-lo. “Gipsy Woman” ou “Lake of Fire” desmenti-lo-iam de forma perentória.

Fortes, coerentes e, sobretudo, competentes, os The Black Wizards sacaram gritos, palmas e uns quantos “porra, não os conhecia… mas são alta cena!” merecidos no final da actuação. Uma palavra para Janis Joplin. Sim, essa mesma. Julgada morta, a menina mulher da voz rouca pousou sobre o palco. Não se sabia era que tocava bateria…e muito. Infelizmente é quase devaneio, não era a JJ mas sim Helena Peixoto, baterista de excelência que deverá ser tida debaixo de olho, sob pena de se deixar fugir por entre as esguias baquetas para o oblívio da memória. Uma nota: o mar de cabelo que as fotografias retratarão tem uma pessoa por baixo, isso mesmo, a Helena.

Estamos a meio. Tempo para uns finos (que a casa é pequena para tanta gente e o fumo seca a garganta) e para perceber o que traz alguma desta gente aqui. Tomemos Anselmo por exemplo. Criatura de Deus e dos Homens a quem o inapelável chamamento do rock nacional apimentado pela cerveja, sobretudo a cerveja, o levou ao Canecas Fest: “É a primeira vez que venho ao festival. Vim com uns amigos ouvir uma boa música, música nacional, e beber uns copos, como amanhã é feriado…” E foi Anselmo… e foi feriado mas, antes, ainda ouve música nacional, boa como desejaste…

Catacombe aproximam-se, sem inspirar medo ou receio. Aliás, receio não existiu com certeza, porque quem veio cá fora respirar logo esqueceu essa necessidade fisiológica básica entrou para os ouvir. E foi belo o que a hora seguinte trouxe.

Última página de um livro de post-rock chamado Quidam, álbum lançado em 2014 pela banda de Vale de Cambra, o concerto no Canecas foi viagem, assim, como o post se quer, viagem ao interior de cada uma daquelas almas que lá se encontravam e mais uma…essa, unidade que já foi carne que sangra, esteve lá para um final feito de silêncio chamado Eduardo. Silêncio que falou mais alto do que todas as músicas tocadas por qualquer das bandas presentes, incluindo os Catacombe. Até lá, contudo, muita e boa água passaria por cima daquele palco.

Água, baterias de combate em surdina, caixinhas de música e um candeeiro. Um início de “calma de água de riacho idílico” que parece antever os silvos de combate que se seguiram com a passagem da terna e etérea “Zenith” nascida de uma caixinha de música ou de um “Ninho de Vespas” encantatório com toques de um passado regado a metal, músicas que são a “guerra” destes Catacombe. A assistir a tudo, um candeeiro. Objecto “fetiche” da banda que surgiu de uma falta de iluminação para os pedais no primeiro concerto dado pela banda e que, entretanto já pisca o olho a uma poderosa “Lolita”.

Guitarras pungentes e baixo poderoso, ambos enquadrados por uma bateria bem tratada dão cansaço e permitem uma pausa para cerveja em jeito de pedido: “O Gil quer cerveja. Tragam cerveja ao palco!”, assim se pede, assim se concretiza em poucos momentos. Mas a história que nos trouxeram ainda não tinha acabado. Tempo ainda para um bom par de músicas e a última, aquela última de que falávamos. Homenagem sentida a Eduardo, antigo membro da banda que foi procurar inspiração a paragens mais incorpóreas…

“There he goes. One of God's own prototypes. A high-powered mutant of some kind never even considered for mass production. Too weird to live, and too rare to die”, quase que o poderíamos escrever a respeito de Zé, “guia espiritual” dos Killimanjaro e mestre-de-cerimónias para aquele que foi o concerto da noite.

As paredes soaram mosh com as malhas “December”, “Hook” ou “Howling”, apesar, diga-se, o Zé, como a sua mãe o carinhosamente apelida, estar doente. Notava-se, mas era o menos, a rouquidão pouco dano fez no entusiasmo. E não foram só as paredes a soar. O tecto, que se julgava a salvo do mosh que grassava a cada pedalada de guitarra no seu, para sempre, parente distante chão, subiu a ladeira e acabou com cachos humanos nele pendurado.

No meio disto tudo, a mãe do Zé. Conhecida entre duas ou três estucadas de mosh e um gracejo dito em momento de maior silêncio, duplo acontecimento que a trouxe para perto de nós. Não nos quis dizer o nome, mas isso é o menos porque, como todos sabemos, nome é etiqueta que nem sempre cola bem. Ao grito “Corta o bigode!”, ela, a mãe, responde prontamente com um “Já lhe disse, mas ele não corta” a que se segue a nossa provocação “Não acha que ele está a ficar gordo?” e uma resposta “genética” para acabar com a dúvida. Apesar do nome guardado no seu Cartão de Cidadão, de lá não ter saído, prometemos-lhe simpatia para com o filho. Nem precisava de pedir, porque a simpatia da música festa, com duas canções novas à mistura, que ele e os Killimanjaro nos trouxeram não merece outra coisa.

Pelo meio, e antes de voltarmos a falar com a senhora que gerou Zé, umas palavras para o uppercut de ombro que o Bodyspace “espetou”, de forma totalmente involuntária, no queixo da rapariga do “Oupa!”. Desculpa pronta e, após a confirmação do “tudo bem”, já a víamos no mosh, sempre e, quase, ininterrupto mosh. No final os sorrisos diziam tudo, “é bom, não foi?”

Instrumentos arrumados, hora de voltar à carismática mãe. Dizemos-lhe isso mesmo, foi bom, a banda do seu filho fez os “festivaleiros” sairem daqui com umas pisaduras a mais e gordura a menos. Criou os sorrisos que se vêem. Felicidade que antevê revolução ou, será ela própria, a revolução dizemos, o sorriso de gente feliz e sem lágrimas como aquela que daqui sai?
· 29 Abr 2016 · 00:53 ·
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com

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