Sónar
Barcelona
14-16 Jun 2012
À 19ª edição, o Sónar (Festival Internacional de Música Avanzada y New Media Art de Barcelona) alcançou um recorde de assistência, na medida em que vendeu mais de 90 mil bilhetes. Precisamente no ano, 2012, em que lançou o “franchise†de São Paulo, Brasil, ao que se acrescem os de Tóquio e Cidade do Cabo (mais algumas experiências em Londres). Na casa-mãe em Barcelona, desde há vários anos que os bilhetes para o Sónar de Día (a programação da tarde, no recinto do CCCB-MACBA) se esgotavam rapidamente, mas tal nunca tinha acontecido no Sónar de Noche (na Fira Gran Vía II, distante do centro da cidade, num recinto pautado por pavilhões colossais onde, por maior que fosse a assistência, era possível transitar com relativa fluidez). Sucedeu este ano e a organização do festival não contava com tamanha enchente, daí ter reduzido o recinto (menos um pavilhão) do Sónar de Noche. Resultado: tanto de dia como de noite, demasiada procura (leia-se pessoas) para a oferta disponibilizada (leia-se espaço e concertos).

Concurso de Deejaying © Emília Salta


Daedelus Archimedes Show © Emília Salta


Diamond Version & Atsuhiro Ito © Emília Salta

Talvez estivéssemos mal habituados, mas a comparação com edições anteriores impõe que se faça este reparo. De qualquer modo, revelou-se uma edição com diversos motivos de interesse, por entre as cerca de 150 propostas (live acts, DJ sets, projecções de filmes, exposições, etc.) concentradas em 3 dias (14 a 16 de Junho) de Sónar 2012. Desde logo, no primeiro dia, o “showcase†da Brainfeeder ao longo da tarde: Kutmah, Lapalux, Jeremiah Jae, Thundercat e, obviamente, o patrão Steven Ellison (Flying Lotus). Do britânico Stuart Howard (Lapalux) esperava-se mais e melhor, na sequência do EP When You’re Gone (Brainfeeder, 2012), a estreia (auspiciosa) na editora gerida por Ellison. Suspensão no espaço e no tempo, aguardando por uma batida que surge esbatida, quebrada, difusa num caos ordenado de partículas electrónicas, por entre latências synth-pop e spiritual jazz, muito ao estilo fragmentado de Teebs (outro expoente da Brainfeeder), ou não menos próximo das explanações downtempo e lo-fi de Shlohmo. Contudo, mais previsível em palco do que no disco propriamente escutado, numa hora de calor abrasivo, resultando num efeito algo soporífero.

Die Antwoord © Emília Salta


Die Antwoord © Emília Salta


Dj Harvey © Emília Salta

Enquanto o hiperactivo Ellison bebia cerveja e fumava charros ao fundo do palco, os novos talentos Jeremiah Jae e Thundercat tentavam mostrar o seu valor perante uma plateia que começava a despertar à medida que o clima se tornava mais ameno. No caso de Jae, jovem afro-americano de 21 anos, nota-se que é uma grande aposta da Brainfeeder, até pela forma como Ellison irrompeu várias vezes em cena a puxar pelo público ou a captar fotografias. Poderia ser apenas mais um artista de hip hop, mas destaca-se pela mestria técnica que revela e também através da estimulante mescla de elementos característicos do universo da Brainfeeder (e de Flying Lotus) que impregnam a sua música, do spiritual jazz ao cosmic funk, passando pelo downtempo e demais partículas electrónicas, numa busca incessante por novas texturas sonoras.

Flying Lotus © Emília Salta


Friendly Fires © Emília Salta


Ital © Emília Salta

Quanto a Thundercat, soa mais ao passado da música afro-americana, com uma poderosa linha de baixo (e teclados carregados de groove) deambulando por entre a soul, o funk e, lá está, o spiritual jazz. Não por acaso, na feitura do álbum The Golden Age of Apocalypse (Brainfeeder, 2011) contou com as colaborações de Erykah Badu, Austin Peralta e, entre outros, membros dos Sa-Ra Creative Partners. A encerrar as hostilidades, ao final da tarde, o próprio Flying Lotus, que se tornou presença habitual no Sónar, ano após ano. Mistura de live act e DJ set (passou uma faixa de Tyler, the Creator), com a habitual capacidade de superação sensorial, para uma vasta audiência, previamente rendida aos seus encantos rítmicos. Repetiria a dose no dia seguinte, noutro palco, em modo DJ set.

James Murphy © Emília Salta


Jeremiah Jae + Flying Lotus no backstage © Emília Salta


Jeremiah Jae © Emília Salta

No primeiro dia passámos também por Eltron John, o andrógeno polaco que pareceu empenhado numa toada tech-house em piloto automático (em detrimento das cadências do cosmic disco que se lhe reconhecem de outras circunstâncias), pelo Daedelus Archimedes Show, com um impressionante espectáculo visual a envolver uma sonoridade demasiado caótica e acelerada (quantas saudades dos primeiros discos na Mush), e pela Brain Pulse Music do japonês Masaki Batoh, baseada nos circuitos cerebrais de uma cobaia humana, sem um único vestígio de melodia, ritmo ou, quiçá, narrativa. Ao início da noite todos os caminhos foram desembocar no primeiro de dois concertos dos New Order, cabeças-de-cartaz que cumpriram a missão com zelo e profissionalismo, revisitando um longo percurso criativo e não se imiscuindo de reinterpretar 3 temas dos Joy Division, a saber, “Isolationâ€, “Transmission†e “Love Will Tear Us Apart†(a finalizar o “encoreâ€, sob roupagem pop e espírito festivo, portanto nos antípodas do que foram os Joy Division de Ian Curtis).

LA Vampires © Emília Salta


Lana Del Rey © Emília Salta


Magic Touch © Emília Salta

Ao segundo dia, na hora de maior calor (ao início da tarde, perante uma plateia ainda quase deserta), destaque para a actuação muito esforçada de Psilosamples, o projecto unipessoal do brasileiro Zé Rolê que merecia mais e melhor atenção. Fusão exótica e dançável entre as diversas linguagens da música tradicional brasileira (do baile funk ao samba e ao forró) e a sofisticação da música electrónica, pareceu como que um fenómeno alienígena no contexto de uma agenda composta por DJ sets de Trevor Jackson ou Nightwave e live acts de Mouse on Mars, John Talabot ou Nina Kraviz. Ao final da tarde, porém, duas excepções: o DJ set do brasileiro Dago no palco principal e o concerto de Peaking Lights numa pequena capela que ladeia o MACBA, espaço exclusivo para a imprensa e detentores de passe profissional (produtores, editores, distribuidores, artistas, etc.). De Peaking Lights pouco se pode escrever, infelizmente, porque a péssima qualidade do som impediu a fruição do excelente disco com que nos presentearam em 2011 (ou talvez antecipar o lançamento do novo Lucifer, acabado de lançar pela Mexican Summer).

Maria Minerva © Emília Salta


Masaki Batoh - Brain Pulse Music © Emília Salta


Metronomy © Emília Salta

Seguiu-se, à noite, o impressionante espectáculo visual ISAM de Amon Tobin, ainda assim não tão interessante (musicalmente) quanto muitos dos trabalhos anteriores do veterano brasileiro da Ninja Tune, praticamente em simultâneo com as actuações de Nicolas Jaar e Lana Del Rey. Apesar de já termos dançado ao som de Jaar no Lux, em Lisboa, optámos por repetir a dose, com um breve saltinho ao recinto onde Lana se fazia acompanhar por competentes instrumentistas. Jaar, a par de Flying Lotus, é a nova coqueluche do Sónar, presença habitual ano após ano. E apesar da limitação do tempo fez por merecer tamanho estatuto, perante a plateia ao rubro. Uma sucessão imparável de pérolas dançáveis, tudo no tempo e espaço certos, alimento para o cérebro e para a anca (embora numa versão mais acelerada e menos subtil do que a adoptada no Lux). Na mesma noite em que James Blake passou música (por vezes no limiar do sensaborão) e Friendly Fires demonstraram um mau gosto lastimável (se em disco são maus, ao vivo são mesmo de fugir). Destaque ainda para o brilhantismo de James Murphy ao comando da mesa de mistura e gira-discos, não tanto pela mestria técnica mas sobretudo enquanto dono e senhor de uma sabedoria enciclopédica e um bom gosto, esse sim, inatacável.

Metronomy © Emília Salta


New Order © Emília Salta


New Order © Emília Salta

Ao terceiro dia detivemo-nos no “showcase†da emergente 100% Silk: Maria Minerva, Magic Touch, LA Vampires e Ital. A primeira, estoniana radicada em Londres, se já era de difícil definição (música eletrónica lo-fi, mutante e bizarra) tornou-se ainda mais ambígua, na medida em que se apresentou em palco (na capela vedada ao público geral) como que para uma aula de ginástica. As subtilezas e espectros ambientais, por entre as várias camadas sobrepostas de sons, revelaram-se toldadas por uma ritmagem mais física e directa, própria de uma toada “clubbing†que não lhe conhecíamos. Não estávamos à espera, mas a entrega total de Maria Minerva, dançando e cantando e programando as estruturas sonoras, resultaram num dos melhores momentos do dia. O mesmo não se pode escrever sobre LA Vampires, cuja actuação no palco principal foi sabotada por dificuldades técnicas.

Nicolas Jaar © Emília Salta


Nina Kraviz © Emília Salta


Palco Sonarcar © Emília Salta

Magic Touch apresentou uma house insípida e, a encerrar a tarde, Ital demonstrou por que razão é um dos nomes emergentes da cena electrónica, ao ponto de suscitar o interesse de Olaf Bender (Byetone) e Alva Noto – depois de actuarem enquanto Diamond Version com o japonês Atsuhiro Ito (puro deleite sonoro e visual, numa experiência que testa os limites da capacidade humana de, precisamente, audição e visão), os colossos da Raster-Noton deslocaram-se até à zona de imprensa para, discretamente, assistirem ao live act de Daniel Martin-McCormick, também conhecido como Mr. Sex Worker e cara-metade de Mi Ami. Não tão progressivo quanto no excelente Hive Mind (Planet Mu, 2012), mas nem por isso menos profundo (o deep house em todo o seu esplendor) e dançável (techno, footwork, bass music, e samples de Corona e Whitney Houston a polvilharem uma produção sofisticada e irrepreensível). Ao ponto de relativizar a importância do apurado set de DJ Harvey, em simultâneo e num espaço limítrofe. O jovem turco levou a melhor sobre o relutante decano.

Peaking Lights © Emília Salta


Psilosamples © Emília Salta


The Roots © Emília Salta

Na última noite deambulámos por entre The Roots e Metronomy (ambos com excelentes concertos), Die Antwoord e The 2 Bears (mau demais para ser verdade), New Order e Hot Chip (máquinas de entretenimento). A culminar uma edição que comprovou a massificação excessiva do Sónar de Barcelona, prestes a completar 20 anos de existência, momento de definição: ou continua a expandir-se até ao ponto de total descaracterização (em vez de revelar valores emergentes limita-se cada vez mais a consagrar os estabelecidos) ou optar por uma ligeira retracção, no sentido de uma maior qualidade em detrimento da quantidade. Até por uma questão prática: o recinto do Sónar de Día já rebenta pelas costuras e torna-se impossível transitar entre os diversos palcos, ao passo que o Sónar de Noche se assemelha, por vezes, a um cenário apocalíptico de claustrofobia e estertor alucinogénico. Back to basics!

The Roots © Emília Salta


Thundercat © Emília Salta
· 20 Jun 2012 · 01:53 ·
Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com

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