Xela / Helios
Teatro Passos Manuel, Porto
27 Jan 2007
A editora britânica Type chegou à cidade do Porto num sítio onde apetece sempre voltar: o Teatro Passos Manuel. O motivo da visita a Portugal da editora era o ciclo “Senses” que aconteceu dois dias antes no Teatro Académico Gil Vicente em Coimbra. Os escolhidos? Xela, o projecto de John Twells (um dos donos da Type) e Helios, o projecto de Keith Kenniff. Os culpados do concerto no Porto: a Matéria Prima. A sala até se vestiu de gala: não esgotou mas estava mais do que bem composta. Desde logo previam-se duas viagens por paisagens distintas: Xela prometia imagens obscuras de difícil degustação (tendo em conta o seu último disco, The Dead Sea); de Helios esperavam-se retratos delicodoces, sentimentais e de fácil absorção. E foi exactamente aquilo que aconteceu.

Xela abriu a noite com os sons de The Dead Sea, disco influenciado por bandas-sonoras de filmes de terror italianos, canções do mar, noise (de Earth e Wolf Eyes); mais uma vez, é um disco pouco imediato mas recompensador, e isso confirmou-se ao vivo. Ouviram-se os sons de “The Gate” e já o barco estava em alto-mar. A partir daí a viagem foi adicionando passageiros, ultrapassando tempestades mais ou menos intensas, recolhendo ruídos não identificáveis. O trabalho verdadeiramente live de John Twells notou-se de forma óbvia: as transições entre algumas secções da viagem notaram-se sobremaneira (e algumas delas até pareceram um pouco desastradas). Riscos de apresentar um material já de si complexo introduzindo-o em cena com uma porção significativa de improvisação. Na generalidade a actuação de Xela foi uma muito agradável viagem pelo mundo peculiar de The Dead Sea, com os níveis de risco bem identificados.

Helios trazia um bónus. As projecções simples, minimalistas e repetitivas em vez de simplistas, de uma paisagem (a parecer um desfiladeiro) e das suas variações de humor. O nevoeiro atravessou essa paisagem várias vezes e as variações de luz eram uma constante. Neste caso as projecções foram bastante descritivas daquilo que se passou em palco. Em acção estava um laptop que disparava a base, guitarras (por vezes duas ao mesmo tempo) e uma bateria. Dois elementos em palco criaram, claro está, paisagens de beleza impressionante e de acessível fruição. As guitarras desempenham especial função no levar dos temas de Helios para outra dimensão; dão-lhe especial dimensão e impedem por vezes que o sonhar acordado se torne num episódio sonolento.

Obviamente foi de Eingya (Type, 2006) que Helios fez a noite. Fez-se desde os sons mais contemplativos de “Halving The Compass” e “Dragonfly Across An Ancient Sky” até aos sons mais upbeat de “Paper Tiger”. A beleza frágil das composições de Helios fazem lembrar muitas vezes as ambiências de uns tipos islandeses chamados Sigur Rós. A sensação de delicadeza e fragilidade (elogio) foi algo que se experimentou a cada canto da actuação. No final do concerto já as explorações de Helios pareciam querer quebrar e ameaçar o estado de sossego para se transformarem em estado de dormência, mas o concerto terminou precisamente na altura certa e a tempo de evitar isso. Entre o sentimento geral da música criada por ambos os projectos vai a distância que se mede entre a sede de ambos os projectos – Xela no Reino Unido e Helios nos Estados Unidos. Mas cada um foi bastante pertinente na sua própria forma de se manifestar e quando é assim o balanço da noite só pode ser positivo.
· 27 Jan 2007 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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