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Getatchew Mekuria & The Ex Moa Anbessa

2006
Terp


Por altura da celebração do seu 25º aniversário, a história banda holandesa The Ex organizou uma festa/festival na sala Paradiso, em Amesterdão, que durou dois dias. Estávamos em Novembro de 2004 e para esse festival foram convidados diversos músicos amigos da banda. Um deles foi o saxofonista etíope Getatchew Mekuria - lendário no seu país, com uma actividade musical que se iniciou no longínquo 1948, este saxofonista era até há pouco tempo praticamente desconhecido além fronteiras. Mekuria foi chamado propositadamente para o festival e foi convidado a actuar com o Instant Composers Pool, o grupo holandês de livre improvisação que reúne, entre outros, Misha Mengelberg e Han Bennink. O fruto da reunião foi de tal modo surpreendentemente positivo que actuaram juntos em mais dois espectáculos, em Bruxelas e no festival de jazz de Moers.

Depois desta colaboração com o I.C.P., o saxofonista juntou-se aos The Ex, actuando com a banda numa tour que percorreu França. Deste encontro, que evidenciou afinidades musicais, resultou a vontade de gravar um disco. O músico e a banda escolheram as músicas (todas tradicionais da Etiópia), a banda tratou do trabalho de arranjos e foram ainda convidados alguns outros músicos para compor um ensemble de média dimensão - Colin McLean (contrabaixo), Xavier Charles (clarinete), Brodie West (saxofone alto), Joost Buis (trombone) e Cor Fuhler, o líder da Corkestra que surpreendeu no Jazz Em Agosto 2006 (no órgão).

Seria à partida difícil prever o exacto desfecho deste encontro entre o saxofone de Mekuria e o rock/punk/experimental dos The Ex, mas a verdade é que desta reunião resulta um afro-funk-rock coerente. Se por vezes a voz africana se impõe mais, e quase ouvimos um afrobeat clássico herdeiro de Fela Kuti, outras vezes é a toada rock/punk que mais se exibe. E este é o aspecto menos positivo do disco, particularmente nos momentos cantados (em inglês), numa voz roufenha que é impossível dissociar da rebeldia do punk. Mas quando o saxofone tenor de Getatchew Mekuria acende os temas com solos incendiários esquece-se tudo o resto.

Apesar de surgir tarde (Getatchew andará pelos 78 anos de idade) este documento é uma forma de mostrar ao mundo um enorme saxofonista que quase passou ao lado da história - mas o mundo ainda vai a tempo de lhe prestar atenção. Numa era em que a tecnologia nos permite conhecer tudo em poucos segundos, num tempo em que sobram poucas coisas para descobrir, é um prazer encontrar fenómenos como este rei do saxofone da Etiópia. Depois de ouvirmos a energia deste disco ficamos com uma certeza: num palco como o Festival de Músicas do Mundo de Sines aquele saxofone em brasa não faria menos do que arrasar.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
09/04/2007