Esclareça-se de imediato que Hou Guan Yin é um objecto de uma pertinência transcendente e independente do imenso hype que se acercou dos FM3 aquando da popularidade global da Buddha Machine. A colaboração aqui arquivada em nada equivale a um daqueles telefilmes que são repescados para, no circuito vÃdeo, rentabilizarem o recente sucesso de um actor entretanto galardoado com um Óscar (Russel Crowe, por exemplo). Até porque a meticulosidade electro-orgânica caracterÃstica da dupla FM3, célula Pequinesa operacional desde 1999, não deixaria de o ser, nem seria propositadamente activada por ocasião de uma prestação partilhada com o baterista Dou Wei, na capital chinesa em Março de 2004 (quando o fenómeno BM se encontrava ainda distante).
Além disso, não é a insuflação do ego que move qualquer um dos envolvidos em Hou Guan Yin, convergência translúcida de três fluências combinadas alquimicamente num convidativo paraÃso onde desagua uma electrónica de paul (preenchida por ruÃdos de insectos sintéticos) e um ambient salubre (purificado pelos drones de Christiaan Virant que formam parte considerável da identidade dos FM3). Durante 36 minutos, é concedida à aura a oportunidade estratégica de se banhar num dilúvio de sons hÃbridos (mais orgânicos que electrónicos) – caudal bem próximo do que resultaria se um álbum-icebergue de Terje Isungset, músico gélido, se derretesse e trouxesse consigo pequenas partÃculas esponjosas, que, em Hou Guan Yin, assumem a corpulência de teclados e metais vários arrastados pela corrente partida de um templo budista em ruÃnas. Numa escala FM3, Hou Guan Yin oferece um tremor rÃtmico inédito no trabalho da dupla (cuja estabilidade zen é saudavelmente perturbada por Dou Wei), enquanto que os drones conhecem uma cauda que se dissipa, em vez de ser engolida pelo mecanismo de pescadinha de rabo na boca, como se escutava à Buddha Machine.