bodyspace.net


Herpes Ă– Deluxe Kielholen

2007
Hinterzimmer


Preste-se uma vénia à Antena 2 pela riqueza de uma programação que parece ter substância mais que suficiente para contrariar o livre abuso das rádios que funcionam a partir de lavagens cerebrais e playlists absolutamente estagnadas. A vénia é forçosa desde que escutado um programa de autoria incógnita que emitia a abençoada rádio no início da madrugada de 14 de Outubro do ano passado. Num regresso a casa, após testemunhado o semear de inferno na ZDB pela mão dos CAVEIRA e Comets on Fire, era uma hermética estranheza que dominava a onda hertziana, com colagens de tapes arrastadas, drones turvos e selecção culta de monólogos obsessivamente dedicados a insectos. O impressionismo Murnau reaproveitado na era dos arquivistas e uma das mais incomodativas surpresas a bordo de um carro nos tempos recentes.

A emissão interceptada podia até ser Kielholen, primeiríssimo lançamento da recém-estreada label Hinterzimmer, já que essa era esteticamente semelhante à selecção que Reto Mäder (também ele assalariado da casa) montou a partir do arquivo mais obscuro acumulado pelo quarteto Herpes Ö Deluxe entre 1997 e 2005. Ao que se sabe, as peças chegam a ser selecções mais representativas de momentos cujas rotas crescentes ou descendentes podem até ter sido decepadas (a hipótese de bluff também não deve ser descartada). Pesou a mão de Reto Mäder que conferiu a devida edição e pós-produção, sem que o presente segundo longa-duração represente um trabalho de colaboração.

Para mais, colaborar com os Herpes Ö Deluxe parece, ao que dá a entender o sombrio Kielholen, implicar uma compatibilidade clínica de sintonias dementes com um apetite especial pela vistoria de texturas doentias, bem situadas à esquerda de tudo aquilo que possa integrar, à luz do dia, um meigo corpo pop. Vampirizam-se mutuamente o borbulhar de graves arrítmicos, apontamentos alarmistas desrespeitosos para com o sincronismo tipicamente suíço, electrónica convulsa e parasitária (pelo modo como reveste os corpos circulares mais próximos), as recorrentes e nauseantes tapes corroídas pelas enzimas de um estômago de jibóia. Em “Ruhig Stellen”, a fricção ácida de um feixe sonoro serve para emular aquilo que pode ser o chiar dos pneus que movem um carro condenado a acabar demolido. Os Herpes Ö Deluxe deliram com a infinidade de hipóteses que oferece o ruído quando sujeito a um tratamento incidente na sua elasticidade. Com isso, perfazem o fim do mundo ou a aurora de uma imprevisibilidade que muita falta faz à rádio por cá.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
30/03/2007