Três discos depois, nada mudou: ainda canta sobre relações, essas coisas estranhas, em inglês, com as melhores letras que se escrevem por cá nessa lÃngua, pelo menos por portugueses, à guitarra. Nada? Quase nada. A produção de Paulo Miranda (dos ultra-aborrecidos Unplayable Sofa Guitar, banda da qual Francisco Silva, aliás, Old Jerusalem, também é membro) continua a fazer maravilhas pela música. Agora, a espaços, mete-se em caminhos próximos dos Calexico (especialmente em "Ruler of My Heart"), a banda de Tucson, no Arizona, especialmente através da bateria, faltando apenas a secção de metais mariachi. Não é à toa, assim, que, via Arizona, o iTunes classifique automaticamente, quando se põe o CD a tocar, Temple Bell como música latina, sem ser por ser portuguesa.
Mas Old Jerusalem não é particularmente parecido com nada que haja por aÃ. Há coisas como "Love & Cows", sobre, basicamente, tudo. O final de uma relação, as mentiras que se dizem na altura, sobre ficar mais velho, sobre a barriga crescer, sobre não se saber gastar o dinheiro de forma sensata, sobre o mundo estar obcecado por ginásios e emagrecer. Sobre precisar-se de alguém por nunca se ter atingido a independência total. E acaba tudo, surpreendentemente, com "I fall between yours boobs and you on my dick" e, surpreendemente, isso não estraga a canção. Não é para todos, partir de um filme neo-zelandês sobre vacas e mantas construÃdo de forma livre para escrever uma pérola em stream-of-consciousness que é talvez o melhor momento de uma carreira de três discos de dois em dois anos.
Tudo começou com April, de 2003, um dos maiores êxitos de sempre das editoras independentes em Portugal, aperfeiçoou-se em Twice the Humbling Sun (que dá nome à última canção deste Temple Bell) e agora continua aqui. Não se escreve assim em inglês em Portugal, e talvez ainda bem. Enquanto os outros estão ocupados a rimar "borrow" com "sorrow", Francisco Silva escreve música bonita e letras inteligentes nas quais pensa mesmo antes de as cantar, o que resulta em canções magnÃficas. E é daà que parte tudo, das canções, e é por isso que a coisa funciona tão bem. Depois, Paulo Miranda adorna tudo com pormenores que as servem, como o berimbau em "Boxes", a percussão discreta, os samples de vozes lá ao fundo e o órgão em "Love & Cows", as cordas belÃssimas em "Boxes" e "Arts Center", os efeitos na primeira guitarra, acústica, e a segunda guitarra, eléctrica, em "Summer of some Odd Year" ou a melódica em "Twice the Humbling Sun".
Como todo, Temple Bell funciona pior que Twice the Humbling Sun, mas tem canções memoráveis, melodias, guitarras, e beleza a rodos. A sempre bonita voz do economista de cabelo comprido e óculos que não conseguiria cozinhar uma refeição se a sua vida dependesse disso e que se não tiver ajuda não se consegue vestir voltará em 2009 com mais relações, mais canções e mais histórias para contar como ninguém canta em Portugal. E, como sempre, será belÃssimo.