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Bobby Conn King for a Day

2007
Thrill Jockey


É imprevisível o desfecho da corrida que coloca lado a lado as duas principais fundações da carreira que conduz o excêntrico Bobby Conn: a manipulativa gestão da persona espampanante que assume como entertainer e o bombear de talento que a alimenta e substancializa. Quando a segunda é insuficiente à lubrificação da primeira, é como se Conn deixasse carente de humor os pés mais grotescos do seu corpo musical, ou permitisse ao público do Paradise Garage (que visitou em modo karaoke em 2002) ver a entrelinha que separa as metadinhas que colocava a descoberto um curto casaco de um fato completo Adidas. Felizmente, Bobby Conn parece resolver cada um dos desafios a que se auto-propõe com soluções que tangencialmente salvaguardam a obra de se perder num oblívio que serve de inferno aos discos esquecidos. Em termos mais concretos, The Golden Age parece, há distância de seis anos, ter sido um passo maior que a perna (a que tentava o salto para a dimensão da Thrill Jockey), enquanto que este King for a Day prova os tempos correntes como favoráveis à consolidação da fórmula do freak camaleónico – ou seja, torna-se ainda mais (absurdamente?) livre o trânsito entre os géneros que separam o glam rock do seu primo progressivo e mais acelerado o malabarismo temático tal como o deturpa o mestre de cerimónias. O firmar dessas características não é sequer bom ou propriamente negativo – é apenas Bobby Conn.

Como qualquer figura que até si catalize um culto incondicional, Bobby Conn dispõe de margem de tempo suficiente para recuperar o equilíbrio após uma queda. Sendo que o gozo de cada novo disco costuma até incidir precisamente nessa vontade demente de superar o espalhafato gerado pelo estatelar lunático do capítulo anterior. Nessa vertente, King for a Day certifica-se de servir como sol em torno do qual gravitam extasiados os trejeitos do evangelista non-sense, Prince trajado de alecrim (e o funk colorido que daí advém) e os arranjos sinfónicos que bem carecem da pontaria que tornou fatal Final Fantasy (Owen Pallett). As coisas pioram quando o bacanal acusa o desleixo de um veículo em piloto-automático: nem todas as alternâncias de que são capazes os Dream Theater livrariam “Twenty-one” de soar repetitivo e, no seu lugar próprio, os maneirismos de fervoroso pregador (“Punch the Sky!”) tornam cada vez mais maçador o histerismo de Bobby Conn.

Apontar as baionetas de sarcasmo aos burgueses norte-americanos e trash enriquecido não constitui também novidade no percurso do Robert Robert Conn – “Winners”, hino de falsete em riste incluído em The Golden Age, já separava peremptoriamente as águas que distanciam a América luxuosamente maquilhada dos deslocados que coloca à margem. A principal inovação lírica conhecida a King for a Day respeita à eficiente transposição de cenários actuais para outros idealizados como cortes monárquicas - fazendo com que este se assemelhe a uma espécie de This is Hardcore medieval, que arrasta até aos calabouços a postura chic da ode que os Pulp teciam à decadência da Britpop, afunilada pela mesma nota que inalava um tal sociológico pó branco.


A ambição faraónica de Bobby Conn aproxima-o perigosamente de uma saturação que se adensa quando falta aos seus empreendimentos o tal click que estabelece a ponte entre o conceito e quem o absorve. Revalidando a vontade de elaborar monumentos dedicados à arte de alienar, o autor de um bem superior Rise Up! (vale-lhe o génio de Jim O’ Rourke) arrisca-se a dar por si entregue à domesticação saudosista de um manada de discos simbolicamente equivalentes a elefantes brancos, com que só simpatiza a minoria de fiéis convertidos. Bobby Conn não se encontra ileso de ser a última vítima da sua ironia e dar por si armadilhado pelo título de um disco de Faith No More igualmente saltitante nas suas movimentações musicais:King for a Day, Fool for a Lifetime. À distinta escala de Bobby Conn, este King for a Day só é mesmo superado por um revelador Rise Up! que a seu favor tinha o factor novidade. Óptimo. Conjugado com o restante meio externo, equivale a uma daquelas curiosidades que abstrai muito antes de convencer.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
22/03/2007