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Kieran Hebden & Steve Reid Tongues

2007
Domino


Nunca é demais recontar a história do percussionista Steve Reid. Durante a sua longa carreira Reid foi inserindo a sua noção de ritmo em quase todas as formas de música negra, desde o free jazz ao afrobeat, passando pela soul e funk, colaborando com gente como Ornette Coleman, Archie Shepp, Miles Davis, James Brown ou Fela Kuti. Sempre marcante, sempre eficaz, mas quase sempre no background, sem protagonismo relevante. Até que em 2005 a edição do disco Spirit Walk, pela poderosa Soul Jazz, focou atenções mediáticas no percussionista. Acompanhado por um leque de convidados de excepção, o disco teve o mérito de ajustar a dimensão mediática de Steve Reid à sua efectiva dimensão criativa.

Um dos convidados desse Steve Reid Ensemble foi Kieran Hebden, mais conhecido pelo seu trabalho “indietrónico” Four Tet. Naquele disco Hebden colaborava apenas numa faixa, mas a partir daí desenvolveu-se uma ligação que teve seguimento numa série de sessões de improvisação e experimentação que tiveram lugar nos estúdios Exchange, em Londres. Desses encontros surgiram durante o ano passado dois discos, simplesmente designados The Exchange Sessions, Vol. 1 e Vol. 2. Nesses dois álbuns mostrava-se um magnífico entendimento exposto em longas improvisações onde os ritmos de Reid se iam colando de modo com naturalidade às texturas electrónicas de Hebden.

Agora em 2007, depois do impacto que as Exchange Sessions tiveram em 2006, chega-nos mais um capítulo da dupla Reid/Hebden. Se nas gravações anteriores os temas se estendiam para lá do quarto de hora, aproveitando todas as potencialidades oferecidas pela liberdade formal, neste novo Tongues há uma evidente reformulação a nível da forma: os temas estão muito mais concisos, quase nunca passando os cinco minutos. Se por um lado se perde a oportunidade de observar todo processo de construção, interacção e desenvolvimento, por outro lado a selecção está muito mais concentrada aos melhores momentos do duo.

Entre Steve Reid e Kieran Hebden o entendimento não é menos que perfeito. Se é na estrutura rítmica de Reid que a malha assenta, as explorações electrónicas de Hebden acrescentam-lhe cores e formas. Da interacção precisa entre estes dois soberbos músicos nasceu mais um monumento de excelência e beleza, desta graciosa relação musical nasceu um hino em forma de improvisação. Ouçamos.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
15/03/2007