Não se sabe ao certo se Scott McKenzie ou John Phillips dos Mamas & Papas chegaram a desenvolver qualquer tipo de interesse musical por essa hepatite de índole rítmica que conhecemos por techno. Sabe-se, porém, que juntos escreveram aquele que será muito provavelmente um dos três mais sonantes e emblemáticos hinos da geração hippie:”San Francisco (Be Sure to Wear some Flowers in Your Hair)”. Esse que, à medida que embalava o ouvido com exotica circular, apontava o caminho até à costa da Califórnia como quem abre as portas a um paradisíaco reduto livre de recrutamento militar obrigatório e leis restritas. Apesar de cristalizar os clichés próprios da época a cada nova escuta, “San Francisco” é um tema flagrantemente datado que serve preferencialmente à reciclagem em bandas-sonoras de filmes mercenários. Necessitaria, para melhor assimilação por parte dos que sobreviveram à era rave, de uma remistura a cargo de Kid 606 (figura de proa da Tiger Beat 6), de um tratamento hi-nrg conferido por Jamie Stewart (a mente que gere os Xiu Xiu) ou de se submeter a um processo digestivo semelhante ao que a dupla Eats Tapes desenvolve para degustar o techno mais alcalino e desenfreado.
De modo a preservar o anonimato que parecerem preferir as identidades ocultas pelo devorador desígnio Eats Tapes, revele-se apenas que dão pelo nome de Marijke Jorristma e Gregory Zifcak - isto caso se acreditar que um qualquer casal é capaz de, em absoluta sobriedade, baptizar os seus filhos com esses nomes cientes de que terão os seus progénitos de cumprir liceu ao lado dos jocks que dominam os liceus norte-americanos. Mas São Francisco tem em si enraizados valores muito liberais e Dos Mutantes, segundo álbum da dupla, pode até ser, ao lado de I’ve Visited the Island of Jocks and Jazz dos conterrâneos Hospitals, disco para, de uma só cajadada, ameaçar a existência dos garanhões académicos e toda a noção preconcebida da cidade costeira invariavelmente tomada como capital do flower power.
Uma ova! Desta feita, propõe-se uma muito mais freak prática atlética que sirva de terapia a instintos mais violentos. Dos Mutantes arremessa techno transgénico e tempos clinicamente impossíveis de acompanhar como quem espreme pontos negros às costas do Toxic Avenger (mascote da Troma), tortura caixas de ritmos e placas de som vintage para que esses confessem os seus crimes kitsch, deturpa a rugosidade aos seus grooves em jeito de ping-pong acelerado à moda de Pequim (característica a que não será estranha a masterização a cargo de Kit Clayton). Em recta final, consonante com o crescente “Wolf Blitzer”, oferece uma vista panorâmica sobre todo o trash do armário Europeu e termina em precipício de êxtase, quando a geyser de Blandi Blub se encontra na eminência de entrar em erupção.
Sobra uma possível banda sonora para um qualquer filme recuperado à primeira e mais bizarramente antropológica fase do canadiano David Cronenberg se sujeito a enquadramento no psicadelismo inconsciente da Baby TV. As mãos que se atrevam a trespassar o ecrã de Dos Mutantes arriscam-se a um contacto paranormal com o poltergeist de John Phillips.