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Faris Nourallah Il Suo Cuore de TransĂ­stor

2006
Awfulbliss / AnAnAnA


Com a adição de Il Suo Cuore de Transistor à sua desequilibrada discografia, Faris Nourallah garante para si mesmo um lugar entre os escritores de canções que persistem em balouçar o seu talento numa corda bamba que oscila entre o arrebatador e o banal. Encontra-se lado a lado com Cass McCombs ou Malcolm Middleton – ilustres iluminados que descartam pressões ao tornarem insolúveis as charadas que os outros entendem como álbuns. É sabido que Faris Nourallah não viveu a mais normal das juventudes (consulte-se aqui a abordagem ao Best Of Near the Sun para se saber mais sobre isso), mas tal não o obriga a, dez anos mais tarde, persistir em cavar um enorme fosso entre as balizas qualitativas dos discos que compõe. “Black Car” - juro – é tão desavergonhadamente fácil e catchy, no ritmo primário e guitarra envernizada por brilhantina, que podia ser o novo “Carocha do Amor”, estrondoso sucesso de um actualmente apagado Luís Correia Marques. A cepa ganha um aspecto ainda mais obtuso quando “I’ll be the Change” aplica ao seu lamento uma guitarra reggae inserida a martelo. “Chaos” aponta para um flamengo tornado caricatura e revela-se - no seu próprio título - ideal para noites de alcoolémia em Salamanca. Salva-se, ainda assim, atempadamente o autor de um Problematico que o era bem menos do que este recente capítulo. Isto porque “Lifeboat” tem bem definidos os pontos onde atracar as suas interrogações até aí à deriva – num órgão sonâmbulo e na voz de Faris entoada como se evadida do corpo em delírio (esse que a escraviza ao slapstick pouco eficaz). Urge também frisar que, a cada novo disco, Nourallah assina nem que seja apenas um par de grandes canções que o distinguem da restante turba (adite-se a derradeira e estelar “Tell me secrets” a essa selecção). O principal problema – e motivo da frustração – reside na falta de graça que acaba por tornar incómodos os pastiches e exercícios evocativos que abundam em Il Suo Cuore de Transístor, que, embora surgido de corpo inteiro, não perdia nada reduzido à forma de EP. Um robot trôpego torna-se ameaçador quando nos ultrapassa a altura da cintura.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
02/09/2006