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Circlesquare Fight Sounds EP

2006
Output Recordings / Flur


Na actualidade musical pós-Franz Ferdinand, envergar ao pescoço uma gravata vermelha induz ao mesmo desleixo e excesso de confiança que normalmente acusa o emblema de um clube grande ao peito de uma vedeta da bola que, só se preocupará em suar a camisola, quando for ao fundo o sobrepovoado barco que tem os Ferdinand e Interpol como capitães. Talvez só nesse momento de pânico bandas como os Rakes, Editors ou outros abonados de hype fabricado comecem a compor discos com outro objectivo que não a pura clonização. Eu próprio comprometo-me a oferecer a promo que tenho em mãos a quem conseguir conter o riso durante o visionamento integral do vídeo dos Rakes. Aquele em que o vocalista deforma o rosto em absoluto desespero por alcançar uma fiel aproximação do semblante perturbado de Ian Curtis, que voltaria a colocar termo à vida se tivesse acesso a 15 minutos de horário nobre na MTV. Soa algo apocalíptico referi-lo, mas, quando começar a escassear o tempo de antena reservado à promoção de todos os novos dandys engravatados, a sobrevivência do mais apto suceder-se-á por meio da capacidade de cada banda em reinventar-se. Assim fizeram os Radiohead ao evadirem-se do abrigo brit-pop antes que o seu telhado desabasse sobre os Oasis ou Suede. O imigrante canadiano Jeremy Shaw – esteta de Vancouver representado editorialmente pela britânica Output - emancipa-se ao aburguesado laisser-faire da linhagem institucionalizada por adopção da pose actualmente dominante e compõe um EP que aproveita apenas a elegância nocturna ao eixo Brooklyn-Birmingham para alcançar uma terceira via bem mais apreciável que as antecedentes.

Como determinante ponto a favor do interesse que o projecto Circlesquare possa suscitar, Jeremy Shaw conta com a generosa abundância de perspectivas que muito provavelmente terão resultado da ginástica estética adquirida na dedicação pessoal a exposições de arte e à produção de música para televisão. Ambas alíneas curriculares que, de modo implícito, garantem uma cativante base estrutural – a de um plano de ataque sequenciado – ao que por si só não apresenta frescura suficientemente pertinente: uma electrónica marcial de dimensão cyber-Matrix, impulsionada por linhas alarmantes, serenada através da intervenção pacificadora de um rock que é apenas rumor de si mesmo, atrofiada pela boémia intravenosa do parceiro de label, Colder, e enegrecida pela mão trágico-romântica do Trent Reznor que não sabe dizer que não ao contributo em bandas-sonoras de filmes centrados em personagens atormentados (Assassinos Natos, Estrada Perdida). Conseguir aliar tudo isso num suporte labiríntico que envolve a inclusão de um épico homónimo em três partes – a segunda das quais fragmentada em quatro momentos mais climáticos - é tarefa a que normalmente só os Flaming Lips escapam incólumes. Fight Sounds EP vale sobretudo pela sua exemplar execução em termos narrativos. Quando Shaw repete incessantemente Baby turn the lights down / this is strictly fight sounds, procura angariar voluntários que se atrevam a atravessar o portal que dá acesso ao plano virtual onde se cruzam os Morphine e a sua própria representação robótica futura. Passa por cada um decidir se esse mutante tem um aspecto grotesco ou não.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
24/05/2006