Quem, como eu, passava ocasionalmente os olhos pelo programa Pequenos e terrÃveis, apresentado por Catarina Furtado, sabe que a graça dos miúdos perdia qualquer naturalidade assim que eles desenvolviam uma consciência do que o público esperava que dissessem num tom mais ou menos desprevenido. O facto de contarem com menos de 18 meses, leva a crer que seja forçosa a espontaneidade dos dez potenciais experimentalistas expostos em Kindermusik – até porque custa a crer que com essa idade algum tenha noção do impacto que terá o seu desempenho e porque a supervisão adulta limitou-se a isso mesmo, proporcionar a captação em estado bruto do que vai resultado ao momento de improvisação. Entre os convidados a tal tarefa, surge a presença ilustre de Felix Kubin que conta já com experiência na composição de música para desenhos animados (a verificar em Film Musik) e cujo nome servirá para legitimar um pouco que seja um conceito à partida duvidoso.
Kindermusik convida a que o cepticismo seja deixado no caixote de lixo do berçário e que, a partir de uma percepção sem reservas, seja estabelecido um pacto nostálgico com os exercÃcios apresentados. Exige-se do ouvido uma atenção redobrada para tentar perceber como o piano eléctrico de Alyssa Elliott consegue ser sugestivamente esperançoso e, ao mesmo tempo, melancólico por ser esparso entre notas. Marcam também presença alguns desempenhos bem mais sónicos (à s vezes, bizarros), entre os quais um que envolve um órgão e gravador que, assustadoramente combinados, se aproximam dos efeitos sonoros providenciados imaginativamente para O Exorcista, onde uma carteira cheia de cartões de crédito era fustigada manualmente para simular o som que conhecemos ao pescoço rodopiante da possuÃda Reagan. Soa a heresia, mas é o que realmente parece. A verdade é que, sem nunca se impor de modo dogmático, Kindermusik semeia em quem escuta a curiosidade que normalmente provoca num bebé todo o objecto estranho. Serve o seu propósito para relembrar que na idade dos dentes de leite tudo é bem mais propÃcio a que se combinem exaustivamente as propriedades a uma palete de tons bem mais limitada. A ignorância como facilitadora de um minimalismo cândido.