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V/A Kindermusik: Improvised Music By Babies

2005
Amorfon


Quem, como eu, passava ocasionalmente os olhos pelo programa Pequenos e terríveis, apresentado por Catarina Furtado, sabe que a graça dos miúdos perdia qualquer naturalidade assim que eles desenvolviam uma consciência do que o público esperava que dissessem num tom mais ou menos desprevenido. O facto de contarem com menos de 18 meses, leva a crer que seja forçosa a espontaneidade dos dez potenciais experimentalistas expostos em Kindermusik – até porque custa a crer que com essa idade algum tenha noção do impacto que terá o seu desempenho e porque a supervisão adulta limitou-se a isso mesmo, proporcionar a captação em estado bruto do que vai resultado ao momento de improvisação. Entre os convidados a tal tarefa, surge a presença ilustre de Felix Kubin que conta já com experiência na composição de música para desenhos animados (a verificar em Film Musik) e cujo nome servirá para legitimar um pouco que seja um conceito à partida duvidoso.

Kindermusik convida a que o cepticismo seja deixado no caixote de lixo do berçário e que, a partir de uma percepção sem reservas, seja estabelecido um pacto nostálgico com os exercícios apresentados. Exige-se do ouvido uma atenção redobrada para tentar perceber como o piano eléctrico de Alyssa Elliott consegue ser sugestivamente esperançoso e, ao mesmo tempo, melancólico por ser esparso entre notas. Marcam também presença alguns desempenhos bem mais sónicos (às vezes, bizarros), entre os quais um que envolve um órgão e gravador que, assustadoramente combinados, se aproximam dos efeitos sonoros providenciados imaginativamente para O Exorcista, onde uma carteira cheia de cartões de crédito era fustigada manualmente para simular o som que conhecemos ao pescoço rodopiante da possuída Reagan. Soa a heresia, mas é o que realmente parece. A verdade é que, sem nunca se impor de modo dogmático, Kindermusik semeia em quem escuta a curiosidade que normalmente provoca num bebé todo o objecto estranho. Serve o seu propósito para relembrar que na idade dos dentes de leite tudo é bem mais propício a que se combinem exaustivamente as propriedades a uma palete de tons bem mais limitada. A ignorância como facilitadora de um minimalismo cândido.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
09/04/2006