Do espectáculo Belle Et Fou pouco haverá para dizer senĂŁo que se trata de um evento cultural em Berlim da responsabilidade de Hans-Peter Wodarz e Arthur Castro - que desafiaram os Jazzanova a escrever a banda-sonora - que junta teatro e dança no mesmo palco. Agora do projecto alemĂŁo poucos poderĂŁo alegar desconhecimento ou ignorar o seu contributo para a mĂşsica de Ă 10 anos para cá. Nascidos em plena ebulição pĂłs-tecno e procurando recuperar o espĂrito libertino do jazz ou os sentimentos genuĂnos de uma soul classicista em busca da modernidade, o colectivo conta no seu curriculum com uma mĂŁo cheia de remisturas e originais que lhes valeram reconhecimento Ă escala planetária.
Nunca tiveram problemas de chamar a si o que era dos outros seja no escalĂŁo da imaginação recreativa ao apoderarem-se, com uma lucidez invulgar, dos originais alheios, transformando-os, brilhantemente descaracterizando-os e incorporando depois na sua mĂşsica pequenas partĂculas sobreviventes da obra inicial ou simplesmente abraçarem convenientemente as suas influĂŞncias musicais para depois incorporarem a agudeza de espĂrito dos mestres na sua prĂłpria matriz. Tudo tarefas difĂceis que poucos conseguirĂŁo dominar com agilidade e sabedoria. Mas tambĂ©m o talento nĂŁo foi distribuĂdo pela humanidade de forma igual.
Remixes 1997-2000 foi, e ainda o Ă©, um perfeito exemplo – antagĂłnico dirĂŁo muitos – de como recriar Ă© substancialmente diferente de remisturar. Certo Ă© que granjearam o respeito de todos que tomaram por lição uma verdade, agora paradigmática, de que Ă© possĂvel imprimir uma marca de autor sobre matĂ©ria-prima de estranhos. Mas os Jazzanova provaram por varias vezes que nem sĂł das remisturas fazem o seu sustento. Com uma carreira de 10 anos, e mais remisturas que peças prĂłprias, os seis criativos berlinenses contam apenas com um álbum de originais na sua discografia. TambĂ©m sempre confessaram que trabalhar a matĂ©ria particular era um desafio mais complexo do que a apropriação e transformação de ideias de outros. Talvez por isso mesmo In Between de 2002 seja atĂ© agora a Ăşnica prova dada da sua capacidade de erguer um quadro prĂłprio. Tudo o resto nĂŁo passam de experiĂŞncias pontuais. E Belle Et Fou Ă© mais uma prova.
Belle Et Fou enquanto compilação de temas de fundo de catalogo nĂŁo trás nada de novo senĂŁo o ecletismo das escolhas – recorda-se, entre outros, a bricolage de Forss em “Flickermood” ou o calor pop/soul de “Just A Lil Lovin” dos Outlines. Agora como antologia/banda-sonora de originais Jazzanova nĂŁo deixará de ser pertinente referir que o que por aqui se ouve sabe a pouco. O ecletismo mantĂ©m-se tal como a produção imaculada e enquanto a programação vai sendo substituida por uma sonoridade cada vez mais orgânica, tambĂ©m o lado mais aventureiro vai se desvanecendo na obcessĂŁo dos gostos pessoais dos seus autores. Entre o divergir da componente mais jazz do projecto e a convergĂŞncia para uma orientação soul blaxploitation intimista – “Rendez Vous” com um Capitol A possuĂdo pelo espĂrito de Barry White –, um disco eloquentemente orquestrado – “Theme From Belle Et Fou (Bows)” – ou a incursĂŁo pela pop/folk melancĂłlica – “The Sirens Call” –, tudo leva-nos a querer que os Jazzanova estĂŁo completamente disponĂveis a uma abertura a novos lĂ©xicos e dispostos a correr riscos em busca de um novo mirante. Apenas o novo álbum confirmará as curtas incursões que aqui ouvimos e tomaremos por certas as mutações na estĂ©tica sonora do colectivo. AtĂ© lá, este espectáculo terá de satisfazer.