Quando a Crónica parecia prestes a garantir uma escuta estável e sedativa, a partir de um disco criado com base num contexto terno e familiar, eis que Leise veda abruptamente o estabelecimento de qualquer empatia imediata entre a presença electro-acústica de Freiband (projecto excepcional do holandês Frank de Waard) e de quem o escuta. Além de representar o seu terceiro disco, Freiband é também um conceito mutável em performances ao vivo e em sessões várias (inclusive uma cedida à recomendável rádio VPRO de Amsterdão). Assim sendo, Freiband respeita essencialmente à flexibilidade que podem assumir, no processamento em laptop, os sons captados à filha de três anos, Elise de Waard (note-se o anagrama do título), que teve à sua disposição instrumentos musicais e não-musicais normalmente associados ao trabalho do mentor paternal no projecto Kapotte Muziek: pedaços de metal, papel, paus, plásticos e outra tralha. Fica-se pelo contexto e associação geracional o que de mais fácil se possa descobrir por aqui, pois Leise representa indubitavelmente das mais desafiantes escutas com o selo Crónica. São de digestão demorada os crípticos desafios a que Freiband dá forma com crepitantes detritos digitais, elementos electro-acústicos e inconstantes vagas mecanizadas em loop. Alguns exercícios relembram o vácuo em efervescência da no-input board de Toshimaru Nakamura, outro – “Daisee” – estabelece um paralelismo anómalo entre um contínuo horizonte ambient e uma insignificante ameba de digitália que não chega a abandonar o seu ponto de partida.