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Jorge Palma No Tempo dos Assassinos

2002
EMI - Valentim de Carvalho


“No tempo dos assassinos, o tempo de todos os hinos, quem mais jura quem mais mente(...)”. Foi exactamente desta mĂșsica (a Ășltima do segundo CD) que foi retirado o tĂ­tulo deste disco ao vivo. “No Tempo dos Assassinos” Ă© um olhar singular e Ășnico da obra de Jorge Palma, interpretado ao vivo e quase sempre com Palma sozinho, no piano ou na viola.

Jorge palma estreou-se em disco no jĂĄ distante ano de 1975, mas o seu primeiro single (“The nine billion names of God”) foi lançado em 1972. “No Tempo dos Assasinos” serve portanto como comemoração dos trinta anos de carreira daquele que Ă© um dos melhores mĂșsicos nacionais. Apesar de jĂĄ longĂ­nqua carreira, Palma apenas lançou atĂ© 2002 oito discos de originais. Este CD tem portanto uma grande parte da obra de Palma. SĂŁo exactamente 33 cançÔes distribuĂ­das por dois discos, que contĂȘm algumas pĂ©rolas que jĂĄ teimavam cair no esquecimento, mas que sĂŁo agora oportunamente relembradas.

Jorge Palma tem Ă  sua volta uma certa aura muito caracterĂ­stica dos artistas boĂ©mios, para quem viver a vida bem vivida sem condiçÔes ou restriçÔes Ă© um lema a seguir e uma forma de estar. Podia muito bem estar neste momento descansado, caso tivesse seguido os conselhos de sua mĂŁe e fosse um pianista de fato e gravata a dar concertos na Gulbenkian e no Centro Cultural de BelĂ©m. Mas nĂŁo, nunca foi isso quis (e tinha condiçÔes para tal). Sempre achou a mĂșsica pop/rock mais interessante que a clĂĄssica, e atĂ© era essa mĂșsica que tocava pelas estaçÔes metropolitanas por essa Europa.

Neste concerto Ă© nos mostrado um repertĂłrio de mĂșsicas invejĂĄvel, que certamente muitos artistas do nosso pequeno burgo gostariam de ter. CançÔes de luta e de inconformidade, tal e qual um reflexo do prĂłprio Palma, sempre contrabalançadas pelo outro lado, o amor. Uma capacidade Ășnica de escrever e compor, que resulta em temas de uma qualidade muito acima da mĂ©dia. CançÔes do fora-da-lei e do bairro do amor, da Senhora da SolidĂŁo e do ZĂ©, sempre cantadas e escutadas com um brilhozinho nos olhos. “Tempo dos Assasinos”, “Duas Amigas” ou “Acorda Menina Linda” sĂŁo alguns temas pouco conhecidos de Palma, mas que sĂŁo agora relembrados e revividos. Sem este disco, ficariam certamente nas prateleiras cheias de pĂł por entre discos de vinil e CD’s.

Foram poucos os que tiveram a oportunidade de assistir aos concertos (eu nĂŁo tive), mas todos quantos o fizeram saĂ­rem do Teatro Villaret diferentes. Diz-se que foram diferentes de tudo aquelas noites, e isso passa claramente no CD. O ambiente transbordava a energia, as cançÔes estavam no formato que lhes Ă© mais favorĂĄvel, e Palma Ă© por si sĂł Ășnico, e um excelente instrumentista. Como dizia bem David Ferreira no inlay do disco, Ă© cada vez mais desviada a atenção dos ouvintes dos concertos para um sem nĂșmero de aparatos e efeitos cĂ©nicos. Aquelas noites nĂŁo foram assim. Esteve quase sempre apenas uma pessoa em palco com uma guitarra e um piano. Isso nĂŁo se “vĂȘ” no disco, mas mais que importante que isso, sente-se.


Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
09/10/2002