É inegável que um bom programa de rádio pode ser um trampolim para o firmamento do reconhecimento. E na BBC já existem alguns exemplos como o de Gilles Peterson que, depois da aceitação como DJ em pequenos cantos e rádios piratas, tornou-se num guru das ondas hertzianas da Radio One e um dos mais influentes divulgadores das novas músicas urbanas inspiradas pelo Jazz ou pela soul - não se ignorando naturalmente todo o trabalho numa das mais importantes e estimulantes plataformas editoriais dos anos 90: a Talking Loud. Mas existem outros casos, menos visÃveis mas mesmo assim presentes, como Annie Nightingale, Rob Da Bank, Trevor Nelson e agora Mary Anne Hobbs. Todos eles, com programas e horários mais ou menos acessiveis, têm-se revelado, cada um na sua área, divulgadores por excelência da nova música urbana.
Das ondas às compilações vai um curto espaço. Se o reconhecimento do ecletismo for evidente, não haverá editora que não queira editar uma colectânea. Gilles que o diga. É certo que muitas vezes basta ter um programa de rádio com boas audiências mas também é certo que algumas colectâneas só resultam se o esforço empreendido na cabine for transposto para a selecção do alinhamento da antologia. Ou seja sem uma selecção criteriosa, um alinhamento competente e uma ideia que sustente toda a aventura, tudo não passará de mais uma farsa geradora de cifrões.
Não será o caso de Warrior Dubz compilado por Mary Anne Hobbs, que a par de algumas colectâneas do colega Gilles, pretende essencialmente divulgar música que, não fosse essa a metodologia, já mais estaria ao dispor do grande público. Preciosidades editadas em vinil e apreciadas essencialmente por DJ - divulgadores e implementadores de modas e manias - e poucos mais.
Mary Anne Hobbs, semanalmente nas madrugadas de sexta-feira na BBC Rádio One, debruça-se de forma coerente sobre as mais recentes aventuras sonoras do underground, não só britânico, mas a nÃvel global. O lema do programas é the Rádio One experimental show. Portanto é inegável o destaque a alguma música experimentalista e descomprometida da actualidade. Géneros recentes como o dubstep ou o grime ganharam protagonismo de um dia para o outro muito graças a especiais de duas horas. Mas também o drum n’ bass, o hip-hop e o tecno de cariz experimental têm tido a sua cota no preenchimento do espaço rádiofonico, revelando-se ainda assim nomes criativamente activos.
Para alguns um Skream, um Kode 9 ou um Burial - aqui com um exclusivo - já não serão novidade, mas nomes como Andy Stott (num portentoso momento tecno), Amit (com um drum n’ bass claustrofóbico, persistente e soturno), a agressividade de Spor ou de Terror Danjah – nomes completamente desconhecidos do grande público – estariam condenados a um eterno anonimato. Mary Anne, imiscuindo os seus gostos pessoais com a linha editorial do programa, proporciona-nos um raro, interessante e fiel retrato do actual panaorama underground contaminado pelo dub. Um submundo estranho, violento, alienÃgena e narcótico que muitas das vezes é a porta para onde convergem mentes em busca de criatividade sincera ou de redenção espiritual.
Verdade seja dita que Warrior Dubz não será a derradeira ou suprema colecção de temas underground, mas é sem dúvida um evidente manifesto de empenhamento na divulgação de alguns nomes e movimentos. Do tecno fantasmagórico (Andy Scott) à violência grime (Virus Syndicate), do dubstep alucinado (Loefah) ao dancehall impulsivo (The Bug), do drum n´bass paranóico (Amit) ao hip-hop desfigurado (JME), a recolha e o alinhamento mostram-se competentes e a antologia pronta a admitir que ainda existe muita vida nas franjas do mercado mainstream. E isso é salutar e imprescindÃvel para que não se desista da boa música de dança que ainda se vai fazendo em caves escuras um pouco pelo mundo.