A sĂ©rio. Que antĂdotos contra os conflitos mundiais pode produzir uma risonha criança de nove anos que despertou em lençóis de veludo e adormecerá com o estĂ´mago forrado de gelado Carte D’Ôr? Apelar Ă paz mundial e fraternidade entre os homens Ă© tarefa leviana quando se reside numa vizinhança onde nada acontece e a figura mais ameaçadora Ă© o varredor de lixo com barba de dois dias. AlĂ©m disso, o Natal já merecia ver renovados os seus apelos tĂpicos. É isso mesmo – já nĂŁo convence assistir ao coro de crianças no seu entoar de cânticos pacifistas quando os conflitos invocados se passam apenas alĂ©m de um ecrĂŁ. Porque nĂŁo tentar remediar o que Ă© mais imediato e soletrar o nome de uma qualquer entidade educativa incompetente ao jeito orquestral de Sufjan Stevens? Os coros natalĂcios precisam de realismo e ambições concretas.
Porque não juntar quarenta e cinco jovens num coro com atitude intervencionista e permitir-lhes flexibilidade temática, independentemente disso implicar algumas doses de politicamente incorrecto? Pontos, louros e uma ovação de pé para o mérito e imprevisibilidade do coro Horkeškart, formado em Belgrado, Sérvia, no ano de 2000 e desde aà dedicado à reconstituição de temas de revolução e reconstrução da antiga Jugoslávia das décadas de 40 e 50, intercalados com versões de Kraftwerk (“Antenna”) e de obscuras glórias punk e hardcore dos balcãs, além de rendições curiosas de contos eróticos e canções de embalar coreanas Tudo isso inserido num projecto de sensibilização intitulado Your Shit – Your Responsability (A tua merda – a tua responsabilidade) que percorreu orfanatos, campos de refugiados e localidades várias na Croácia (a que acederam com passaportes Sérvios, formando o primeiro grupo de 50 pessoas a atravessar a fronteira nessas condições, desde 1991).
O que no papel virtual pode parecer um convite ao espalhafato, passa a ser mágico quando completamente destituĂdo de pretensĂŁo ou carga panfletária. A militância da Horkeškart centra-se na prioritária necessidade de proporcionar deboche e diversĂŁo a um pĂşblico que já se viu confrontado com o fracasso de todas as soluções polĂticas possĂveis. Isso Ă© genuinamente punk e escuta-se evidentemente Ă franqueza das vozes unidas em Live in Solitude. Está na altura de, por cá, o Coro de Santo Amaro de Oeiras começar a adaptar canções de Zeca Afonso e poemas de Almada Negreiros.