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Sufjan Stevens Come On! Feel the Illinoise!

2005
Asthmatic Kitty


Sufjan Stevens vem da folk, da tradição americana da arte de escrever canções. Mora e gravou Illinois em Brooklyn com os Illinoisemakers (em Michigan chamavam-se The Michigan Militia basicamente, ele em quase todos os instrumentos e os amigos nos coros e nas passagens mais difíceis de tocar nos instrumentos). Os 70 minutos e pouco do disco caracterizam-se por canções, algumas mais "enormes" do que outras (é a diferença entre o "muito bom" e o "excelente"), mas todas elas óptimas, e devaneios curtos de drones e outras brincadeiras que acabam por aborrecer depois de muitas audições. O nome de cada tema, de cada canção, é quase como um poema em si mesmo, como faziam, por exemplo, os portugueses Santa Maria Gasolina em Teu Ventre! Veja-se, por exemplo, logo a canção inicial, “Concerning the UFO Sightning near Highland, Illinoisâ€, que começa com um piano sonhador e a descrição de um óvni, uma mediação sobre incarnação e estrelas, no falsete soberbo de Sufjan (uma das maravilhas do mundo). Assim, às vezes os nomes caem em absurdo, mas são sempre deliciosamente divertidos e hilariantes. Até no booklet que acompanha a edição em CD o sentido de humor de Sufjan transparece. Por exemplo, na lista dos músicos diz-se que Sufjan tocou as suas flautas de bisel tenor, soprano e sopranino, mas teve de pedir emprestada à Monique a alta. E, a seguir aos nomes das pessoas que tocam diferentes instrumentos, existem comentários como “Man, he’s good!†ou “Wowâ€.

Parte-se à descoberta de um estado, o segundo dos 50 (mas Sufjan, entretanto, já disse que nunca fará um disco para cada um dos estados, já que nunca escreveria sobre o Texas), a partir de um OVNI. Surge um coro de vozes numa “canção†(sem letra) com o maior título do disco: “The Black Hawk Warâ€. Os nomes abreviados das canções aparecem em maiúsculas e as outras brincadeiras em minúsculas, nos próprios títulos das canções. Logo depois, “Come on! Feel the Illinoise!†traz-nos metais e uma canção brutal a 5/4 que mete toda a gente logo a dançar. Tem duas partes diferentes, como a sua “irm㆓The Tallest Man, the Broadest Shouldersâ€, quase no final do disco, esta última tendo palmas lúdicas que nos fazem lembrar como era bom acompanhar com palmas temas como “Raspberry Beret†do Prince. “John Wayne Gacy, Jr.â€, falsete, guitarra e a humanização de um serial-killer fazem uma das mais surpreendentes canções do ano. “His father was a drinker / and his mother cried in bed†dão o mote para uma vida que acabou com muitas outras vidas. “Twenty-seven people / even more / they were boys / with their cars / summer jobs / oh my god!â€. No fim, diz que “in my best behavior / I am really just like him†e, a acabar, suspira de alívio, como se lhe tivesse custado imenso dizer isto. Quer seja um esquema para dar um pouco de humanidade a uma maneira “artificial†de criar, ou quer seja mesmo sentido, queremos lá saber. O que conta é o produto final.

“Jacksonville†é uma cidade e a sua canção correspondente tem uma melodia de órgão viciante no refrão, enquanto “Decatur†rima com “emancipator†na pessoa de Abraham Lincoln. Mas a estrela do disco é “Chicagoâ€. Uma das melhores e mais tocantes canções do ano, começa com glockenspiel e logo entra uma bateria a partir e tudo pára, começando Sufjan a cantar: “I fell in love again / all things go / all things goâ€. O refrão é belíssimo e algures no fim vem a confissão que faz todos duvidarem da masculinidade de Sufjan: “If I was crying / in the van / with my friend / it was for freedom / from myself / and from the landâ€. Quem é que quer saber de preconceitos estúpidos quando estamos perante uma das canções mais inevitáveis do ano? “The Man of Metropolis Steals Our Hearts†traz, finalmente, o rock a Illinois, com guitarra e feedback e um refrão em coro: “Only a steel man / came to recover / if he had run from gold / carry over / we celebrate our sense of each other / we have a lot to give one anotherâ€. Assim, Sufjan fala das pessoas, dos homens da América profunda que trabalham e trabalham para ganhar a vida e não fazem quase mais nada. “They are Night Zombies...†tem um coro a cantar “I-L-L-I-N-O-I-S†e fala de (duh) zombies.

Ao chegarmos a “Out of Egypt...â€, vemos que a viagem pelo estado não aconteceu sem alguns percalços e foi algo cansativa, mas mesmo assim extremamente recompensadora. E já não queremos saber da falsidade que pode estar por detrás de tudo.


Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
08/10/2005