O nome do projecto e do álbum começam por sugerir o que motivou o seu autor: uma certa ideia de globalidade que torna um homem num cidadão do mundo através das ondas do ainda principal motor de divulgação musical. E ainda a uma ideia de que a música será sempre um universo sem fronteiras, onde uma cidade europeia – para onde convergem diversas ideias e tipologias com proveniência bem evidente – pode ser palco para um espectáculo onde tradição colide com modernidade. Berlim será uma dessas cidades e Niko Schabel um dos cidadãos dispostos a incluir na sua música tudo o que de bom veio ao mundo.
Não será obrigatoriamente uma necessidade empÃrica incluir tudo no mesmo caldeirão, mas é indiscutivelmente uma sensação única quando isso acontece. Mais, quando alguém com desdém, sabedoria e poder sÃntese o consegue sem inventar nada de verdadeiramente novo mas, no mesmo golpe, exibir-se como produtor tecnicamente inventivo e músico entendido no ofÃcio, aà estamos perante talento puro e possivelmente perante uma obra memorável. Talvez a determinação seja mesmo o que acaba por se destacar nesta viagem sofisticadamente tecnológica pela tradição africana chamada Berlin Serengeti.
Temos de tudo e, quase numa jogada de mestre, tudo faz sentido. Mulatu e Coltrane coabitam no mesmo estúdio. O funk, dub, Afrobeat, Etno-jazz, post-bop, modal jazz, rock, soul, Brasil, hip-hop e bandas sonoras de filme noir são algumas das tipologias que inspiram o alemão a produzir. Poder conceptual para erguer um facto estético. Será caso para elogiar a capacidade de empreendimento e a força aplicada na forma de tratamento de toda a matéria-prima. O tempo investido nos pormenores é evidente, apesar da sonoridade propositadamente suja e rude sugerir o contrário.
O nu-jazz já contou com melhores dias. Mas é evidente que quando o regresso ás raÃzes devolve a clarividência perdida, o poeta volta a compor rimas com a fluência de outros tempos. Chama-se também de inspiração. E não será outra a palavra que melhor descreve Berlin Serengeti. Bajka é extraordinária, e como se fosse necessário mais, devolve com dedicação o esforço de Niko Schabel, que em permanente convulsão consegue construir um admirável conjunto de temas impecavelmente conscientes dos tempos que vivemos. Um raro momento de iluminação criativa e um dos raros casos onde, uma vez mais, o passado se envolve com o futuro numa promiscuidade invejável. Essencial.