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Richard Swift The Novelist / Walking Without Effort

2005
Secretly Canadian / Flur


Richard Swift passou boa parte da sua juventude fechado no quarto com um gravador de quatro pistas. E o adulto Swift continuou a fazer o mesmo, mas com um computador a ajudar. A estética lo-fi é uma das características que percorre os dois álbuns (mais The Novelist [2001], menos Walking Without Effort [2004]) reeditados em CD duplo, em 2005, pela Secretly Canadian, editora indie da moda que já lançou, por exemplo, Antony and the Johnsons. Uma outra marca é a extrema sensibilidade das frágeis melodias deste cantautor, que consegue soar tão ultrapassado como a máquina fotográfica analógica que segura na capa de The Novelist. E é isso que ele quer, mesmo que, por exemplo, em “Lady Day†se ouça uma caixa de ritmos. Obviamente que para chegar a este objectivo a produção é minimalista e a voz parece muitas vezes gravada através de uma chamada de longa distância, o que dá um toque abrasivo que cativa, mesmo que alguns possam considerar o artifício “falsoâ€. Apesar de se traçarem aqui características comuns aos dois discos, marcam-se já as diferenças: The Novelist parece saído da década de 30, Walking Without Effort talvez dos anos 70.

Apesar da grande gama de recursos empregue (maior predominância de instrumentos como o banjo e acordeão no primeiro disco, mais metais e guitarra no segundo), Swift é um falso monótono: pode passar por isso à primeira audição, mas à segunda já não engana. Ouça-se, por exemplo, “The Novelistâ€, uma assunção dos demónios da escrita (com versos como “I try to write a book each time I speak†ou “Pull me from my pen before I fallâ€): depois de uma audição atenta podemos chamar-lhe uma canção de embalar, mas temos de concordar que é um belíssimo exemplo do género, só com acompanhamento de piano e acordeão. The Novelist acaba depressa, não chega a 20 minutos que parecem uma espécie de recolha de sons armazenados em bobines cheias de pó, e em que Swift exibe um registo vocal quase sempre no limiar do falsete.

Walking Without Effort é um álbum mais cuidado, já de estúdio, mas nem por isso perde o encanto e a concisão (cerca de 30 minutos de duração). Os arranjos são mais trabalhados, mas sem sobrecarga das harmonias: há a presença assumida da bateria a marcar o ritmo e uma frequentemente luxuriante secção de metais (logo visível em “Half Litâ€). As melodias perdem em inocência, mas ganham em riqueza subtil. Os momentos notáveis sucedem-se: a simples frase de guitarra eléctrica que acompanha o refrão de “In the Airâ€; o optimismo da solarenga “As I Goâ€, hino pop do disco, com guitarra acústica ritmo e trompete; e a declaração de amor de “Above & Beneathâ€, órgão dolente, glockenspiel, clarinete, menos de 3 minutos de deleite e simplicidade. No lado B (uma nota de saudosismo, o álbum está divido na capa em dois lados), “México (1977)†mostra um lado mais Dylanesco, com harmónica, “Losing Sleep†seria a balada do ano na MTV de um mundo perfeito e “Beautifulheart†encerra o disco com uma guitarra eléctrica mais rasgada e uma pinta mais épica. Tirando “Not Wasting Timeâ€, um (curto) exercício mais vulgar de voz e piano, Walking Without Effort é uma sucessão de delicados momentos de pop com marcas de várias décadas de música, desde o ragtime até às décadas de 60 e 70, até Dylan ou Brian Wilson, passando pela Tin Pan Alley.

Há algo de “loser†e de depressivo (ou pelo menos de melancólico) em Swift, algo que faz pensar num escritor de canções sensível que não consegue os ouvintes que julga merecer e que se sente cada vez mais deprimido com isso. Não será certamente verdade, mas é uma nota de encanto que se cola à sua música, em que cada audição parece revelar pormenores novos mas nunca escondidos, porque Swift é claro como a água. The Novelist e Walking Without Effort são em parte duas faces de uma mesma moeda, complementam-se, mostram uma evolução para algo mais complexo mas que não trai a pureza da composição do californiano. No fundo são discos muito diferentes, mas muito iguais na essência pop que os une, independentemente da maquilhagem que levam remeter para os anos 30 ou 70. E por isso ficam muito bem juntos.


João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
10/11/2006