É arriscadamente profĂ©tico assinalá-lo agora, mas o mais certo Ă© que esta imensa prosperidade do Ăşltimo par de anos – verificada ao mais militante ramo “faça vocĂŞ mesmo” da mĂşsica portuguesa - venha a gerar repercussões que, daqui a uma dĂ©cada, se possam materializar em antologias de raridades e inĂ©ditos acumulados ao longo dos tempos de mais farta colheita. Sabe-se que esta gente produz incansavelmente e que permanecem flutuantes e dispersos por vários CD-R uma sĂ©rie de exercĂcios de valor que muito lentamente vĂŁo elevando a contagem de ouvidos sobre eles assentes. E onde se lĂŞ “gente”, pode-se ler o nome de quem tem feito por instaurar moldes de auto-suficiĂŞncia que encurtem a distância e encargo monetário entre quem produz a mĂşsica e todos os ávidos da mesma. Ou seja, casas onde a mĂşsica deixa de ser uma comodidade para passar a ser de um valor gozado em comunidade – Merzbau, Test Tube, Searching e a Lovers & Lollypops, que por aqui comemora um ano de actividade com a edição de Um Ano de Bailarico.
Contudo e comparando-a a outras compilações do gĂ©nero, Um Ano de Bailarico será a que mais directamente se afirma – assim, violando prontamente o compasso de amadurecimento anteriormente mencionado como necessário a um disco de “raridades e inĂ©ditos” para ser um clássico Ă escala do seu enquadramento caseiro (sem que isso o torne menos ambicioso). O mote, desta vez, recaiu sobre um bastardo spazz-rock que acumula cicatrizes internas desde que, há quase um quarto de sĂ©culo, os Devo desataram a fazer dos teclados e sintetizadores armas reaccionárias pela vertente da provocação Ă dança robĂłtica. DestoarĂŁo desses uns aborrecidos Mendetz cuja proveniĂŞncia catalĂŁ sĂł prova que, em termos de exigĂŞncia, os espanhĂłis serĂŁo muito mais comedidos quanto ao indie que papam. E nĂŁo chega a haver sequer ponta de bairrismo que arruĂne a diversidade de um Bailarico que recruta a páginas My Space o que demais refundido se poderá descobrir por esse universo onde os Mars Volta e o David Fonseca sĂŁo vizinhos por efeito de amizades comuns – marcam presença os Experimental Dental School de Oakland, California, com uma bela apropriação da pompa soviĂ©tica dos tempos vermelhos, aqui transposta para teclado manhoso; uns Atlhetic Automaton de Rhode Island, nos Estados Unidos, que assinalam o momento mais grunho da compilação com um sludge em que a guitarra e restante ruĂdo competem como os monstros do estĂşdio japonĂŞs Toho num campeonato de flatulĂŞncia.
O que de mais elaborado reserva o celebratório Bailarico verifica-se mais presentemente à sua segunda metade que parte ao ataque com um progressivamente inconsequente “Teenageartfagcancerfanclub” – sim, fica anotada a piadinha aos Teenabe Fan Club - dos canadianos DDMMYYYY e adormece as turbinas na colagem-Solex de sons espaciais e um ocasional riff camuflado de fuzz a cargo dos anónimos Hijos Bastardos de Tom Waits. Bem perto do final e ao jeito de opus tântrico conclusivo, “All the Mountains are Dancing; are Dancing!”, a cargo do colectivo DOPO, encontra os seus autores à distância do mesmo shoegaze campestre do EP lançado pela Test Tube, inflectidos sobre o impasse das tais blues a serem lidas num indeterminado dia futuro, privilegiando uma vez mais uma introdução desconexa – à qual se escuta um violino - precedida por um fluir convergente assente sobre guitarras e esparsos metais capazes de mesmerizar.
Enquanto montra de novos talentos, a funcionalidade Um Ano de Bailarico é simetricamente viável – parte de um processo selecção para proporcionar uma série de selecções individualizadas. Sem sobreviver impune a 19 inclusões (três delas seriam mesmo dispensáveis) e uma quantidade talvez exagerada de géneros, haverá por aqui muito mais trigo que joio. Trigo suficiente para alimentar toda esta gente – e quem os escuta - por mais um ano de bailarico.