NĂŁo deve pagar pelos traços caricaturais do meio a espontaneidade poĂ©tica de Adam Gnade, o mĂșsico e enigmĂĄtico autor a que se dedicam estas linhas. Ele que parece existir apenas quando apreciado em exclusividade, enquanto circunscrito a um limĂtrofe circulo hipster que raramente permite fugas. No limite do seu alcance mediĂĄtico, chega a ser um daqueles segredos que partilham os colunistas e opinadores norte-americanos com um pĂșblico especĂfico, sem deixarem de fazer os possĂveis para demonstrar o quĂŁo abrangente Ă© o conhecimento que mantĂȘm sobre a obra do prodĂgio de Portland. A saber, dois discos lançados autonomamente, um revelador Run, Hide, Retreat, Surrender confiado Ă Loud + Clear Records e uma sĂ©rie de limitadĂssimas ediçÔes que nem o diabo escutou.
Mas Adam Gnade nem por isso acusa pretensĂŁo que o reduza a mero fetiche de elite â prefere dedicar-se sem alarido de maior Ă escrita de âtalking-songsâ (em que prefere falar, em vez de cantar), de biografias para os Xiu Xiu e a escrever quando a inspiração o surpreende a qualquer hora do dia (o livro Hymn California, lançado este mĂȘs, inclui histĂłrias centradas nos personagens dos seus discos). Merece a simpatia e mecenato de gente de talento, e isso basta para assinalar com um post-it de curiosidade (e algum apetite) este estranho universo por descobrir a Adam Gnade. A confirmar essa tendĂȘncia para atrair atĂ© si gente igualmente inspirada, o EP Shout the Rafters Down!, aperitivo que agora propĂ”e a zine Drowned in Sound para download digital (inserido numa sĂ©rie de singles), conta com o contributo musical dos Castanets, colectivo gerido pelo transversal Raymond Raposa e outros mĂșsicos desejosos de encontrarem nesse paralelo a liberdade de movimentos de que habitualmente nĂŁo dispĂ”em nos seus ofĂcios diurnos.
Convenientemente, a mĂșsica dos Castanets e a poesia de Adam Gnade resultam muito mais como um encaixe entre complementos mĂștuos do que como amĂĄlgama emparelhada por convenção do projecto. Em vez de, por altura de âAnd on Bad Days We Were Sawn Asunderâ, se atropelarem entre si o pĂłs-rock e a confessionalidade quase salivar de Gnade (muito prĂłximo de Bright Eyes, neste caso), ou de perderem tempo a medir as discrepĂąncias a folk desventrada por puro rock e um sentimento literĂĄrio beat que abunda em âWe Live Nowhere and Know No Oneâ, Shout the Rafters Down! incide principalmente sobre as somas que podem resultar em convergĂȘncias Ășnicas e nĂŁo nas subtracçÔes que do EP fariam um monte inĂłcuo de cinza sem qualquer pertinĂȘncia. Embora curto em duração, quase soa este espĂ©cime de Adam Gnade como o relato possĂvel e resumido de um dia imaginĂĄrio em que um River Phoenix de fase Idaho partilhou os seus pensamentos com um karaoke que, em pouco tempo, se adaptou a todos os raciocĂnios. E tudo isto num taxi que guia atĂ© paragem indeterminada um cliente semi-consciente por efeito de â nas palavras do prĂłprio Adam â erva e mezcal. Um lugar privilegiado nesse taxi exige que se leia a mĂșsica, alĂ©m de escutĂĄ-la.