A estratégia de Hayden Chisholm podia ter passado pela mera remistura – tal e qual a conhecemos hoje – mas preferir reunir um grupo de músicos em estúdio e, não só recriar, reinventar a música de Burnt Friedman provou ser um desafio bem mais estimulante. E como nada acontece sem um motivo, não foi por obra do acaso que Hayden encontrou a música de Friedman, antes pelo contrário; a obra do músico alemão, outrora também conhecido pelas manobras de Drome ou Nonplace Urban Field, não é completamente estranha a Hayden: há muito que o mentor dos Root 70 colabora como saxofonista nos espectáculos live de projectos como os Flanger ou The Nu Dub Players. O fascÃnio pelo espólio original de Burnt levou-o a seleccionar os seus temas predilectos, convocar os restantes membros do quarteto e editar agora Heaps Dub via Nonplace (ou seja com a chancela de Burnt Friedman himself)
PodÃamos estar perante a simples reconstituição mas tendo sido a premissa inicial bem explÃcita, a reorganização da escrita original e toque de autor foram elementos necessários à concretização em pleno dos objectivos. O próprio Hayden admite que o estÃmulo esteve na remoção dos elementos electrónicos dos originais, absorver as partÃculas e assimilar todos os pedaços para uma única massa homogénea onde os instrumentos acústicos fossem os únicos a ter o papel executivo no estúdio. Nem o sampler teve acção na reorganização, apesar de Hayden também admitir que as produções actuais têm muito a ganhar com toda a tecnologia ao dispor dos músicos: “With all those electronic devices surrounding us, there’s so may more possibilities to re-arrange, re-play, re-mix and re-cycleâ€.
Heaps Dub arranca da melhor forma. “Gets Things Straight†começa por, como o próprio tÃtulo sugere, esclarecer o ouvinte sobre os intentos de Chisholm, Wogram, Rueckert e Penman na forma como será trabalhada toda a matéria-prima. E se o tema inicial transforma a visão obliqua dos sons de rua de Kingston dos The Nu Dub Players num magnifico exercÃcio de escrita criativa em que, sem que o original desapareça por completo, o jazz impressionista do quarteto acaba por dominar toda a matriz dub com uma luz viva e resplandecente, já o último tema “Nightbeat†opta por uma introversão soturna e suburbana, que prefere a solidão e a dor, que prefere a perspectiva eloquente do sentimento de desespero de uma alma. No fim, depois de escutas atentas, apercebemo-nos dos contrastes, dos vários sentidos e realidades que enriquecem a música do inÃcio ao fim.
Entre o primeiro e último tema, vislumbramos pelo meio a selecção cuidada de algumas produções incluÃdas em Can´t Cool, Midnight Sound ou Inner Space / Outer Space que, perante uma nova estratégia de pensamento, ganham nova vida, nova substância e nova envergadura onÃrica. Heaps Dub é uma viagem séria, profundamente comprometida com os originais, mas distante o suficiente para permitir novas abordagens modernistas e várias visões alternativas para um reportório conhecido pela qualidade do songwriting. No fundo, mais um momento iluminado pela sabedoria e pelo gosto da aventura.