NĂŁo será apenas por influĂŞncia do tratado marcial que ainda hoje representa Spectrum, a cargo do inconstante Jega, que o consumo de breakbeat mais bĂ©lico e perfurante se tornou indissociável daquela sensação dolorosa de se ter apanhado uma sova valente. Já nesse disco os samples de Run-DMC completamente deturpados e agitados com mace digital nĂŁo encorajavam a um passeio nocturno por Queens, Nova Iorque. Por motivos legais, a faixa “DMC”, que recorria aos tais samples, consta apenas do lançamento original na Planet Mu - o mesmo nĂŁo acontece com a reedição na Matador, que vem já destituĂda dessa preciosidade. Com isso, ganha uma mais intensa aura marginal o original lançamento de Spectrum, que, alĂ©m desse fruto proibido, conta com pitbulls Ă solta, arritmia em doses frenĂ©ticas e a pinta de rufia que tem herdeiros Ă altura nestes Ăśbergang.
Mas nĂŁo se julgue que a dupla berlinense merece o estatuto de rufia apenas pelo gang (soberano, por força do “über”) que traz no desĂgnio. Muito do que se escuta a este primeiro EP / 12” – que sucede a singles e faixas dispersas – parece mover-se com a atitude decidida de um punk que nĂŁo Ă© apenas o alfinete de dama que tem espetado nas calças, de um “guna” enraivecido a cumprir vigilância pela zona ribeirinha da cidade do Porto. Tantas vezes Fear Leader ataca o ouvido limitado Ă dinâmica que podem produzir em duelo os ritmos convulsos e programações rudes. Quase como um brutamontes que, no universo ZX Spectrum, actuava como carne para canhĂŁo em jogos como Target: Renegade ou Double Dragon - preso a movimentos horizontais e Ă aplicação de socos e pontapĂ©s primários, mas, ainda assim, dolorosos. Fear Leader nĂŁo precisa de explorar mais que um par de recursos para, em determinadas alturas, roubar o fĂ´lego que nĂŁo se recupera enquanto o som está preenchido por esgrima Mandarim de batidas e graves obesos que obstruem todas as vias possĂveis.
Apesar do quase anonimato que procurou a dupla ao assinar o projecto usando apenas as inicias GG e JC, sabe-se que o segundo costuma também assinar com o nome de Christoph de Babalon discos da sua responsabilidade e remisturas dos Locust e kid606 (a quem também se juntou para um split). Há portanto por aqui sobejo pedigree na área da violentação de breaks, além de um imenso vigor a verificar também ao longa-duração If you’re into it, I’m out of it, que Babalon lançou com o apadrinhamento de Alec Empire na sua Digital Hardcore Recordings.
Mas Fear Leader vale por si e não pelos louros que lhe são antecedentes. Com a agilidade de quem maneja uma matraca com a arte de Bruce Lee, despacha o arsenal de ideias em metade do tempo que normalmente toma um disco de DJing para executar a mesma tarefa. Nunca chega a exibir muita sofisticação enquanto ganha forma, nem tão pouco se esperaria isso de um disco lançado por uma label de Detroit cujo nome abrevia “baixa resolução”. Viesse a categorizá-lo um Jaime Pacheco irritadiço e diria muito provavelmente que é um disco curto, grosso e feio. Bem merecedor de ser precedido por longa-duração correspondente, acrescente-se.