A música portuguesa não tem vivido muito de casos de reunião de músicos e bandas. Pontualmente essas parcerias existem, mas nunca nas doses necessárias. Felizmente que de quando a quando surge em disco um projecto sólido feito da parceria de projectos nacionais.
A génese dos acontecimentos leva-nos até à Expo’98. Foi por causa dessa exposição mundial que Manuela Azevedo convidou Sérgio Godinho para um espectáculo conjunto durante a Expo. Em 1999 seguiram-se três concertos no teatro Rivoli no Porto (porque não foi a mais lugares?) onde foram gravados os temas que constituem o disco. Mesmo assim, a sua edição seria adiada até 2001 porque os Clã andavam ocupados com ”Lustro” e Sérgio Godinho com “Lupa”. Nesses discos as colaborações entre os dois já haviam sido continuadas. Sérgio Godinho escreveu a letra de “Sopro do Coração” e Heldér Gonçalves co-produziu “Lupa”.
ConstituÃdo por temas dos Clã e Sérgio Godinho, numa lógica que evitou o mais óbvio e foi buscar algumas coisas ao fundo do baú, o álbum tem ainda uma música de Astor Piazolla e outra escrita por Arnaldo Antunes e Gilberto Gil. O álbum segue sempre um nÃvel de textos de primeira linha (Sérgio Godinho é o melhor letrista nacional?), e arranjos que dignificam as músicas originais, muito por culpa de Hélder Gonçalves que mais uma vez fez versões exÃmios. Nas vozes, Manuela Azevedo volta a mostrar todas as suas capacidades, já amplamente reconhecidas, mas Sérgio Godinho fica um pouco aquém do desejável. Longe do registo que lhe é habitual, músicas mais leves, nunca se conseguiu adaptar muito bem a alguns temas, com especial incidência nos temas dos Clã.
Firmes ao seu percurso, Clã e Sérgio Godinho voltam mais uma vez a apostar em músicas cantadas em Português, excepto “Vuelvo Al Sur”, adaptação de uma música argentina de Astor Piazzola com letra de Fernando Solanas. O facto de se usar o português como lÃngua de expressão permite que os temas passem a ter mais do que um aspecto lúdico e passem a fazer sentido. E por vezes é mesmo por causa desse sentido que ouvimos e re-ouvimos uma música até que os ouvidos nos doam! Um disco que muito contribui para a afirmação da nova música cantada em Português, e que é um mimo para os ouvidos.
Dizia o Sérgio Godinho “Com a Manuela, com o Hélder, com os Clã, com o Salgueiro, reencontrei o prazer de mergulhar no desconhecido das minhas canções, no reconhecido das canções deles, no conhecimento comum das canções dos outros. Ensaiámos à tarde, ensaiámos à noite. Pelo meio fomos jantar. E depois, até amanhã. Tudo muito simples, portanto. Assim fosse o mundo”. Assim fosse toda a música.