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Mika Miko C.Y.S.L.A.B.F.

2006
Kill Rock Stars / PPM / Sabotage


É de estranhar que o nome das Mika Miko signifique storytelling em japonês, quando o mais improvável efeito imediato do inflamável debute C.Y.S.L.A.B.F é a conversão das suas 13 curtas faixas em contos (imorais) de igual proporção. O próprio título do disco mantém as suas iniciais indecifráveis. Coincidentemente, o tom ameaçador de uma charada encontra-se escancarado nas duas figuras sinistras que envergam rostos cadavéricos na capa. A verdade é que um teor tão enigmaticamente defensivo não é habitual numa banda que conhece o sempre honroso selo da Kill Rock Stars, que, por sua vez, as recrutou à mais caseira label PPM. Girls just wanna have fun e as Mika Miko entenderam por bem velar simbolicamente o seu ataque que, em 20 minutos, não podia ser mais belicoso e in your face sem correr o risco do histerismo.

Pior mesmo é dar conta de que a vocalista e multi-instrumentista Jenna Thornill nunca chega a articular duas frases que, por boa obra da lucidez, nos esclareçam acerca do que maldiz ou que causas defende o seu bando – antes vocifera, guincha, sublinha violentamente a separação entre sílabas perdidas no marasmo de uma voz que parece extraída a um altifalante com peças a menos (o fulgor garage sente-se de imediato às primeiras duas faixas). Para o caso, compreende-se a necessidade da regra primária do punk rock que dita a noção de que a sua universalidade compensa largamente qualquer carência verbal ou conteúdos ininteligíveis – ou não fossem grandes vocalistas da sua história afectados por graves diagnósticos dentários. Muito mais devedoras da estética “meia-bola e força†enraizada pelas Bratmobile, do que à sofisticação mais abrangente das Bikini Kill, as Mika Miko encontram-se assumidamente instaladas no cantinho minoritário reservado às adeptas dos benefícios do “menos é mais†– guitarras, teclados debochados, o tal grito de reduzida fidelidade acrobática e, no quase festivo “Don’t Shake it Offâ€, um modesto e discreto saxofone.

O enraivecido comportamento iconoclasta das Mika Miko é o de quem não se sujeita à imposição da tradição riot grrrl como a mesma convicção feminista de quem opta por não usar soutien. É quando mais se sente essa atitude militante que as Mika Miko acumulam as medalhas de mérito que lhes terão valido o lugar em digressão ao lado das cada vez mais apuradas Gossip e Erase Errata. Faixas como “See You Thereâ€, a mais elaborada “The Dress†ou “Oh, Head Spin†destacam-se de milésimos exercícios idênticos por tão presentemente incluírem na sua genética uma irreproduzível atitude de irresponsabilidade perante moldes riot e, mesmo assim, tão eficazmente fazerem crer que a carnalidade feminina declarada em forma de espasmos faz tanto sentido na Olympia de 1990 como na actualidade. O facto das Mika Miko não demonstrarem especial carinho pela aplicação da palavra pode ser entendido como puro capricho ou pouco ponderado destaque do estimulo primitivo que proporciona este rock rude que perdeu muito mais fluidos corporais do que tempo útil em laboratório. Graças a incorruptíveis instituições como a Kill Rock Stars e aos destemidos talentos que recrutas para as suas fileiras, ainda vai sendo possível ouvi-lo na sua forma pura. Rock também é sinónimo de “Amenâ€.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
20/09/2006