Sabe-se pela escuta dos dois primeiros registos e pela força das actuações ao vivo que Mécanosphère, embora comandado por humanos, é um maquinismo com força própria e com perfeito domínio do seu futuro. É um organismo robusto, vivo e auto-suficiente, ainda que conte com o auxílio de Adolfo Luxúria Canibal, Benjamin Brejon e Scott Nydegger (e de habituais ajudantes extra). O contributo de cada um deles faz com que a máquina se mova um pouco mais na busca de um objectivo, etapa por etapa, capítulo por capítulo. O quarto, Limb Shop, é o resultado de uma reconstrução e junção de excertos de sessões de gravação resgatadas no tempo e ao tempo. No total é pouco mais de uma hora de estilhaços metálicos, paisagens cinzentas e fragmentadas, excertos do som roubado a um mundo subterrâneo a que poucos têm acesso, constituído 90% de máquinas e 10% por humanidade (cuidadosamente filtrada).
Na face mais visível, Adolfo Luxúria Canibal continua a apresentar a sua visão de um mundo caótico que em “Phantom Limbs”, o tema de abertura, se faz de ambulâncias e de membros que se sentem erguer mas cujo futuro (das acções) se desconhece. “Phantom Limbs” parece sugerir um cenário de pós-guerra ou qualquer outro em que a humanidade se mutila e estropia a si mesma. Os destroços sonoros que se podem avistar ao longo tema servem de apoio a essa visão catastrófica. Adolfo Luxúria Canibal continua a fazer desfilar o seu spoken Word noir e catastrofista. Em “Mutilation site” juntam-se ao cenário traçado pela voz beats (acompanhadas de ruído) que desde logo confirmam a insistência (boa) no rol de opções deste novo disco – com efeitos visíveis. Nota-se um som cada vez mais polido e seguro dos caminhos que pode e deve seguir – mais industrializado que nunca. As beats continuam logo em “Coagulate”, com bastante sucesso.
Mais à frente encontramos “Types of Aberration Dub”, que começa da mesma forma que termina: um sample de uma voz que fala ao mundo de aparências grotescas, de malformações e de aberrações. Durante toda a faixa há um fluxo de percussão simples e justapostas deitam-se várias camadas mais ou menos finas de ambientações sonoras onde se parece juntar por vezes uma voz (por entre outras com menos impacto) que transporta angústia, parecendo sugerir a alienação criada pela diferença, pela desconformidade. Este é o século XXI visto pelos olhos de quem comanda os destinos dos Mécanosphère. Com o auxilio do colaborador fetiche dos Mécanosphère, Steve Mackay, o lendário saxofonista dos Stooges.
Limb Shop é um disco carregado de mensagens para além da música; mensagens mais ou menos encriptadas às quais dificilmente se escapará – o maior deles será porventura o pré-aviso do que pode acontecer se a autodestruição continua a ditar leis. Os Mécanosphère continuam a provar neste terceiro lançamento que são uma das unidades mais interessantes da música feita em Portugal. Limb Shop será eventualmente o disco onde os Mécanosphère conseguem melhor expor a mistura de mundos que propõem – uma fusão cada vez mais interessante.