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3EEM Essence of 3EEM

2004
Small Voices


Não foi em vão que Bruce Lee sangrou da face até sair vitorioso do duelo mantido no labirinto de espelhos. Vezes há em que basta a um disco aplicar um loop marcialmente letal para ter suspenso pelos calcanhares quem nunca lhe anteciparia a infalível emboscada. Assim que o endiabrado saxofone de “In the Beggining it Was An Accordion†interrompe - com o impacto cego de um frisbee – a circulação sanguínea da zona jugular, a mente desdobra-se em esforços para alcançar a última lembrança agradável da Itália enquanto berço de sonoridades híbridas (neste caso, sopro, guitarra e electrónica subcutânea). Não servem pois as serenadas metropolitanas do Jovanotti. A apreciação recorre a outras paragens em busca de suspeito comparável, mas rui a parte do nariz petrificado que ainda resta à Londres urbanizada pela Ninja Tune. Para já, os 3EEM representam um especiaria italiana que as redes de 2004 deixaram escapar. A essência que referem no título do disco permanece, por enquanto, vai sofrendo um processo de dilatação a partir de estado bruto.

Para tentar entender a estratégia destes 3EEM, retomemos ao papel crucial que pode desempenhar um só loop na pigmentação estável de um tapete vermelho, por onde possa caminhar um colosso que não o empregue de forma gratuita. Assim já acontecia no impiedoso trabuco Consume Red, que, apesar de ter a sua autoria atribuída aos Ground Zero, era um disco idealizado por um Otomo Yoshihide apostado em testar os limites do seu múltiplo alcance. Nesse disco, resistia à maratona de quase uma hora uma repetida linha de sopro (recuperada a um acervo de música Coreana sagrada). Ou seja, cabia ao previsível loop actuar como agente erosivo capaz de produzir - a partir de superfície estática - uma quantidade de ruidosas farpas capazes de provocar reacção a ouvidos familiarizados com Merzbow.

Sem desenvolver vínculo a um porto-seguro a que possa atracar no regresso, a essência dos 3EEM encontra-se por toda a parte, mas mantém bem camuflada a sua fonte. Ocasiões há em que a guitarra pode até acreditar fantasiosamente que se encontra entre os Explosions in the Sky, partindo do princípio que a espessa dosagem de efeitos impede que a alguém a encontre nessa escapadela pirotécnica. O que de inidentificável contém Essence of 3EEM só se assume quando ladeado por um cúmplice distinto. Trata-se, portanto, de um matreiro catenaccio, executado por influência soporífera de um dub bastardo (aquele que de Lee Perry aproveita apenas a excentricidade) e saldado em sabotagem da calmaria encarregada a um caustico saxofone que se move, por entre os biombos digitais, como um ninja cocaínado entre canas de bambu húmidas. A sensação que sobra é a de uma inexplicável fome de mais essência.

Verifica-se um pequeno milagre: os 3EEM proporcionam a que possam comungar de um mesmo alvo de entusiasmo os arqueólogos de drones, entusiastas do digital como botox para a rugosidade do dub e incendiários nocturnos para quem o house não é recurso absoluto. Três tribos que andavam desencontradas desde que Tricky voltou as costas aos Massive Attack. A essência enquanto curativo pode então cicatrizar as feridas que trás Bruce Lee no rosto emblemático.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
25/06/2006