bodyspace.net


Wolf Eyes Six Arms and Sucks

2005
Esquilo / Soopa


Se convier ao improviso justificar a sua alienação compulsiva, é legitimo empregar o argumento imortalizado por Woody Allen em defesa do onanismo: Não maldigam a masturbação, pois representa fazer sexo com alguém que amo. No caso singular dos Wolf Eyes, talvez se possa afirmar que merecem um isolamento livre de perturbações enquanto se imolam perante uma audiência, é-lhes reservado o direito de serem doentiamente inflectidos enquanto colhem lodo e todo o tipo de merda a uma canalização subcinerícia. Sempre foi alvo de respeito o personagem mítico que arriscou a sua vida para do inferno transportar uma chama simbólica. Em Junho de 2005, os Wolf Eyes redimensionaram o Passos Manuel à imagem de um altar sacrificial e Six Arms and Sucks sobrou como relato disso.

O padrão é a latrina dos Wolf Eyes. A ocasião propicia-se em vez de se se planear. Trata a introdução do disco – informalmente percorrida em tom de tertúlia entre os três em palco - de dar a entender algum desconforto por parte da banda ao deparar-se com a inércia de um público sentado. Os 30 minutos que se sucedem a esse desabafo são, por força de circunstâncias, de retaliação. O que começa por ser uma impiedosa fricção contínua entre superfícies rugosas (coisa capaz de acelerar a actividade às axilas), evolui até ao estado de um gradual e dolente sufoco de um tribalismo desterrado que vai sendo exterminado por frequências sonoras trespassantes. Sobra depois a noção presente de que, por pura libertinagem hostil, os Wolf Eyes podem (e devem) tornar a fase terminal de um improviso sofridamente linear num extermínio penoso e arrastado do que no início ainda tinha força para arranhar. A segunda parte do concerto encontra uns Wolf Eyes mais próximos da sua faceta mais “popular†e ortodoxa, o que não impede “Stabbed in the Face†de se assemelhar a um emissário do cataclismo na sua sobreposição de viris e infecciosos estratos que combinam a fugidia voz gutural e electrónica de repetição intestinal como já fazia Jarboe em “Not Noah’s Ark†do absolutamente catártico Anhedonia.

Torna-se, a partir da consciência da virilidade, lógico que, numa entrevista, os Black Dice tenham citado os Wolf Eyes como entidade consanguínea mais masculina e robusta. Os últimos vivem assombrados por uma disfuncionalidade que, em situações limite, implica uma adaptação muito mais lenta do estômago e músculos até que o corpo se atreva a movimentos que se possam entender como dançantes (mais femininamente elegantes, neste caso). Burned Mind, o disco gravado pelo trio de Michigan para a Sub Pop, quase se parece com Pet Sounds quando justaposto em equação com o teor abusivo do que se escuta a Six Arms and Sucks. A Soopa, que habitualmente colabora com a Esquilo, entendeu esse carácter bárbaro à generosa prestação dos Wolf Eyes no Passos Manuel e invocou isso no artwork medieval em serigrafia. Como se antecipasse um tortura a que se acede por convicção irracional e que se procede com uma intensidade de improvável teorização. Em todo o caso, continua a ser gratificante conhecer qualquer actividade que seja a uma das mais ameaçadoras e imprevisíveis células que mantém activo o underground norte-americano.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
17/06/2006