Haja paÃs europeu que merece colher frutos ao ecletismo abundante que agora desagua ao que se conveio chamar de hip-hop pós-moderno - à instalação do qual não deve ser estranha a influenza vanguardista de Scott “Prefuse 73†Herren – e a França surge à cabeça. Por força de um atrito social altamente inflamável ou simplesmente porque num só bairro da periferia é natural conviverem mais de cinco (contra) culturas, parecia a França predestinada e demograficamente talhada a ser a Meca do hip-hop do velho continente – a prova de que são estáveis e adultas as fundações internas do género reside no facto de há oito anos ser possÃvel, em pleno dia, sintonizar uma rádio especializada e escutar a corrosão crua aos Supreme NTM (colectivo de natureza intervencionista) ou IAM (mais comportadinhos que os comparsas) num freestyle golpeado em duelo verbal circular (disposição que é própria dos programas de autor que se dedicam ao estilo). As orelhas de Jacques Chirac ferviam. Embora não exibam à partida as marcas de uma militância polÃtica activa, os Depth Affect aparentam aquele tipo de sofisticação que só se conhece a quem tem dominados no seu vocabulário os ensinamentos globais que realmente importam mais do que o escrutÃnio copista a velhas ou novas escolas.
Surpreende de imediato a irreverência de um hip-hop milagrosamente silvestre, pigmentado por velada presença de guitarra acústica, portador da envergadura própria de uma entidade Miyazakiana que trepa paredes com as garras polirrÃtmicas afiadas pela letal incursão cerebral de grande parte destes exercÃcios, projectado numa dimensão sideral notoriamente inconformada com a banal utilização de beat e rimas. São dignos de um tratamento hiperbólico estes Depth Affect, que aterram no panorama do hip-hop de pára-quedas e que aqui surgem reduzidos à dupla que representa a metade dos quatro membros que se apresentam ao vivo - onde o VJing assume importância equivalente (mas que no contexto do disco serviria apenas para desviar a atenção que deve ser apontada ao detalhe). Merecedor de uma simpatia manifestada por um micro-hype “tugaâ€, Arche-Lymbe multiplica-se em boas vibrações sobre uma superfÃcie fértil em ideias, com a imprevisibilidade dos fungos e abençoado pelo espÃrito lunático dos conterrâneos Air (antes de mergulho em espiral prog). Beneficia pois o lançamento da Autres Directions de um efeito inter-rail que não descura a paragem de abastecimento na anti-gravidade insular dos paÃses nórdicos (era capaz de jurar que escuto a fragmentação das Midaircondo a “Honey Folkyâ€), beneficiar do caule transgressor que trouxe ao hip-hop o advento Anticon (label representada por MC Alias em “Wyoming Highwayâ€) e, com uma desenvoltura alucinante, celebrar um glorioso passado recente ao atrair até a um mesmo espaço – “OD-MF-Side†- a Brooklyn com dentes chumbados de Ol' Dirty Bastard (R.I.P.) e a goofiness de uns Pharcyde (salvo o erro) que hoje em dia são uma amostra da sombra do que representaram um dia.
E apesar de tremerem as varas à integridade de Lymb - quando adormece em alguma inércia e narcisismo durante o seu segundo terço -, não deixa este (longo) debute de desenvolver a forma mais construtiva de oferecer retaliação ao hip-hop que gera uma facção mais consumida pelo ódio (racial ou não). Compensa o que floresce desta jardinagem de laboratório – arquivista e esperançosa - pelo que tantas vezes é pilhado às ruas de Paris com o mero pretexto da crise.