Exibe-se de seguida Deconstructing Henry em vez de Deconstructing Harry, um de muitos pontos altos da filmografia de Woody Allen durante a segunda metade de 90.
De Henry Collins sabe-se pouco. Da identidade que oculta agora o novo disfarce Kyler sabe-se menos. Isto porque a cada novo tÃtulo que aglomera à sua discografia, Henry Collins vai semeando interrogações quanto à sua real vocação e assumindo a sua natureza de bufão indisposto a ver a cabeça mergulhada na toca do breakcore (até onde a empurrou a reputação terrorista de breaks acumulada com os discos e sessões avulsas enquanto Shitmat). Aparentemente redimido da tendência para a paródia, Collins anunciava Pur Cosy Tales como um disco onde havia de revelar auto-biograficamente o seu crescimento em Norfolk, na Inglaterra. Mas o melhor será manter activada a desconfiança perante alguém que ainda em 2004 fazia de “All That She Wantsâ€, dos Ace of Base, um trunfo pronto a envenenar a ponta a um dardo ragga no avassalador Killababylonkutz.
Entende-se que para preservar a simpatia do seu benjamim do breakcore, a Planet Mu tenha cedido ao lançamento de um capricho auto-biográfico que mais parece o resultado aglomerado da supervisão efectuada a um dia numa loja de discos usados. A entidade Kyler parte de uma reserva de sons extraÃdos à s décadas de 70 e 80 e confere um aspecto "apatetado" ao que à partida era apenas grotescamente datado. Um break nas mãos de Henry Collins sujeita-se a ser vitima de um abuso cientÃfico de laboratório e de lá sair com a aparência de um golem décapode (ao qual foram anexadas todo o tipo de excessos grosseiros).
Com a imprecisão digressionista de dois dedos que percorrem a frequência AM a um rádio a pilhas, Collins vai atendendo à vez ao que ebule a cada quadrante da memória. E, quando assim é, falta paciência que os mencione a todos e provavelmente paciência para os ler. Povoam Pur Cosy Tales momentos onde chega a ser hostil o ruÃdo, o tal breakcore de assinatura (bem mais atinadinho), glitch distribuÃdo como shurikens, curiosidades étnicas (recorde-se a fixação Babilónica de Killababylonkutz), (Nor)folk como se captada ao fundo de um poço onde o único laptop sofre de sonolência, blips incandescentes que caÃram à cauda de séries da estirpe de Espaço 1999 ou Battlestar Gallactica,doodling sob enquadramento electrónico-tipo-Lego em "Pilgrim Rise", primeiros manifestos de groove a que o sonho urbano faz despoletar o acne. Os esgotados podem saltar directamente para a nossa sempre apetrechada divisão de entrevistas. Os restantes ficam a saber que todos os que merecem figurar na longa lista de Kyler podem até servir como carne para canhão para mixtape clandestina, mas ficam longe de obter a coesão que se espera de um álbum, que - mais grave - parte de uma premissa conceptual.
Pur Cosy Tales quase se parece como uma daquelas montagens onde o tempo progride com a sobreposição de fotografias - modelo canonizado pelo genérico da série Cheers e que agora serve a quem desejar homenagear o Vincent Gallo ou a Paris Hilton na Internet. Cumpre-se esta escuta como se este se tratasse de um álbum de lembranças onde se encontram expostas reminiscências de tempos que o ácido underground britânico tratou de varrer. Pur Cosy Tales será tão compreensivo como inconclusivo (se isso for possÃvel). Lança a rede a todos os géneros e colhe apenas esboços dos mesmos. Madlib faria mais dois grandes discos com metade do material aqui manipulado. Mediante essa dura constatação, ninguém se acanhará de afirmar que o “Shit†que acompanha “mat†assentaria bem melhor aqui do que à ramificação que importa de facto acompanhar à ainda assim cativante carreira de Henry Collins.