Ă€s vezes basta apenas o magnetismo de um som reconhecĂvel para ancorar o ouvido Ă s profundezas de um disco, que, entre um fundo emaranhado e uma superfĂcie mais convencional, condense um fluĂdo onde a percepção Ă© parda atĂ© desenvolver aptidões especĂficas. Neste caso, urge regular os pulmões Ă absorção de pĂłlen em vez de oxigĂ©nio, aguardar por um momento de revelação oportuno e, com um salto de truta, armazenar fĂ´lego que sobreviva aos momentos em que Infinite Flowers amua fechando-se em copas – consolidando a partir daĂ a ideia de que a rota que o trespassa deve ser percorrida ao sabor do impulso de um nĂşmero infinito (lá está) de minimalismos. Que elemento se ocupa entĂŁo de estabelecer a familiaridade entre alguĂ©m estranho ao trabalho de Machida e a sua polpa de subtilezas? O som que se reconhece de imediato aos metais tipicamente caribenhos do calypso, ao sample imediato que Boss AC usa no single “Hip hop (sou eu e Ă©s tu)” e Ă banda-sonora de A Pequena Sereia (a cada vez que um crustáceo toca conchas). Pontos cardeais pop que impedem qualquer pessoa de se perder entre as Infinite Flowers.
NĂŁo se julgue no entanto que Yoshio Machida - figura notável da improvisação japonesa – capta os tons radiantes aos metais como se condenados a serem inseridos num disco de reggae metro-sexual (sub-gĂ©nero cada vez mais em voga por cá). Machida tratou de personalizar as superfĂcies metálicas de modo a que comportassem trĂŞs relevos ligeiramente diferentes. Denominou de amorphone o dispositivo que resultou da junção entre trĂŞs bacias metálicas e um laptop pronto a modular o seu som circular com tendĂŞncia para a propagação (informações detalhadas podem ser encontradas aqui: http://www.yoshiomachida.com/HTML/YMSND3.HTM). Para que nĂŁo saturasse a presença solitária do amorphone, Machida convidou a contribuir para Infinite Flowers um par bem experiente em dinâmicas electro-acĂşsticas, os Minamo (que em breve conhecerĂŁo um novo lançamento com o selo da Esquilo):
Tetsuro Yasunaga ocupou-se de digitália vária, enquanto que Keiichi Sugimoto cedeu a sua guitarra aos processos primaveris que se sucedem em “Polen”, no extenso “Namaqua” e em “Poppy”. O resultado desse cruzamento escuta-se a uma explosĂŁo de fragrâncias: emanada em dois tempos no embriagante exercĂcio “Fragrance” (que induz Ă narcolepsia por perfuração de electrĂłnica vertida a conta-gotas), ordenadas por diferentes graus de profundidade a que se vai ganhando acesso mediante o nĂşmero de escutas.
Na verdade, nĂŁo parece despropositado assumir Infinite Flowers como um apaixonado tratado sobre botânica perspectivada por um microscĂłpio obsessivamente atento a todas as mudanças. Machida e os Minamo no lugar dos agentes necessários Ă fotossĂntese de um corpo Ă partida em estado bruto. A certa altura Infinite Flowers ganha uma autonomia desenvencilhada: passa a exibir ostensivamente a mirĂade de cores suficientes a mil auroras diferentes. Quando assim Ă©, pode-se reordenar o seu aspecto caleidoscĂłpico um sem nĂşmero de vezes e descobrir sempre um disco novo (sim, estamos a pensar no mesmo disco de Boards of Canada). Vivem limitados os cientistas que um dia alegaram que as vacas produziam mais leite se submetidas Ă escuta periĂłdica de R.E.M. ou Tom Jones (nota: nomes especulados). Infinite Flowers Ă© o sonho utĂłpico de qualquer camponĂŞs.