“The Mississipi Delta mas shining like a National guitar”, canta Paul Simon enquanto descreve o percurso atĂ© Graceland. Em simultâneo com a viagem ao centro mitolĂłgico do rock’n’roll - Ă capital da Elvismania, o santuário do sebastianismo americano – o ex-colega de cantigas de Art Garfunkel mitifica tambĂ©m a guitarra americana de corpo metálico. E Ă© precisamente uma velha guitarra National que está no centro de um originalĂssimo disco acabado de editar neste fresco 2006.
Assim começa a histĂłria de um disco: por sugestĂŁo de um amigo, Richard Leo Johnson teve acesso a uma misteriosa guitarra. Leo Johnson Ă© um guitarrista peculiar que editou o seu primeiro disco em 1999, pela Blue Note. Johnson encontrou-se com a guitarra, uma National Duolian dos anos 30, e assim que experimentou as suas cordas ficou fascinado - disse ele quando começou a tocar emanaram imediatamente da caixa de ressonância sinos, vozes e outros sons misteriosos. E para alĂ©m dos seus sons, houve um pormenor captou a atenção do guitarrista, uma inscrição simples: “Vernon McAlister”. Seria o nome do seu anterior proprietário, pensou. Tratou entĂŁo de procurar informações sobre esse tal indivĂduo - quem seria, onde morava, que mĂşsica tocava. NĂŁo descobriu nada. Começou entĂŁo ele prĂłprio a criar a lenda de Vernon McAlister (a histĂłria completa pode ser lida em www.vernonmcalistercom).
Concentrado naquela guitarra especialĂssima, começou a fazer mĂşsica em torno do misterioso McAlister. Sozinho, Leo Johnson experimentou os sons da guitarra e foi construindo mĂşsicas que começaram a crescer e a dar sentido ao recĂ©m-criado mito. Algures na AmĂ©rica, um homem e uma guitarra traçaram uma folk coberta de terra. De um jogo instrumental tĂŁo elementar mais nĂŁo seria de esperar que o encontro se desenvolvesse com arte. Por vezes há construções melĂłdicas trabalhadas, outras vezes sĂŁo apenas os sons mágicos que sĂŁo explorados em toda a profundidade. Assumidamente despida, esta mĂşsica Ă© tĂŁo transparente quanto cativante. No final, com as peças todas gravadas e reunidas, surgiu um disco singular, assombrado por um outro espĂrito, o de John Fahey. Em vinte pequenos temas (cada um variando entre um e trĂŞs minutos) Ă© sustentada a espantosa histĂłria musicada de alguĂ©m que ninguĂ©m sabe ao certo quem foi. Assim sĂŁo as lendas e esta transformou um enigmático nome de gente em mĂşsica da terra, blues sem forma.
Este disco foi editado pela Cuneiform, editora especializada em objectos genericamente inclassificáveis, transfronteiriços, marginais ao jazz e ao rock, mas que se afirmam pela sua originalidade – vejam-se os exemplos The Claudia Quintet, Fast’n’Bulbous, Yo Miles!, entre outros. Agora, esta magnĂfica lenda de Vernon McAlister, narrada por intermĂ©dio de delicadas melodias suspensas e embalos fantasmagĂłricos, Ă© um notável acrescento ao catálogo. Depois de ouvir este disco, o fantasma Vernon McAlister descansará finalmente em paz.