Enquanto serviço, a eficiĂŞncia do stoner mede-se pelo desequilĂbrio provocado por atordoamento do aparelho auditivo. Um cliente satisfeito Ă© aquele que cambaleia atĂ© casa apĂłs um concerto que seja capaz de lhe dizimar pela metade o equilĂbrio do corpo. Recordo com agrado o trajecto de elĂ©ctrico que me conduziu atĂ© Santo Amaro a partir do Paradise Garage, onde os Fu Manchu - antes de mergulharem em espiral de discos inferiores – haviam preenchido o ar respirável com um gás decibĂ©lico capaz de fazer reconsiderar as opções a tomar na vida aos 20 anos. Nessa noite, nĂŁo sentia a ponta dos pĂ©s, nem tĂŁo pouco o contacto deles com a sola dos sapatos. Ao stoner recomenda-se uma postura sarcasticamente distante que nĂŁo se acanhe de prolongar – tĂŁo vastamente quanto necessário – o perĂodo de tempo que toma o tapete para se escapulir de debaixo dos pĂ©s (membros anatomicamente habituados a depender de uma base) .A flutuação psicolĂłgica bateu-me mais uma vez Ă porta por intermĂ©dio desta Sonic Prayer.
Um dos membros de X-Wife dizia numa entrevista que o disco de rock ideal era aquele que dava uma vontade infantil de pegar numa raqueta e, de joelhos sobre o sofá, fingir que se a tocava como se perante o pĂşblico de Woodstock. E se no lugar da raqueta estiver uma pá que escava abusivamente o terreno que separa os Earthless de um farolim que faz do rock mais ortodoxo um feixe de luz? Parece ser esse o utensĂlio amnĂ©sico de que se munem Isaiah Mitchell (Guitarrista com “G” grande), Mario Rubalcaba e Mike Eginton – que muito discretamente compõem um super-grupo (atendendo a que o primeiro era já força matriz dos Nebula e o segundo integrava os umbilicalmente ligados Rocket from the Crypt e (extintos) Hot Snakes).
Assim que atingida uma altura passĂvel de ser denominada de sideral, os Earthless desafiam a elasticidade dorsal que um stoner mentecapto consegue dobrar apenas (até) certo ponto e, nesse estado de transe aventurado, elevam cada peregrinação sĂłnica Ă marca dos 20 minutos. “Flower Travelin’ Man” (menção aos japoneses Flower Travellin’ Band), assim como “Lost in the cold sun”, ocupam o plano cĂłsmico de buracos negros que centrifugam o apego a uma superfĂcie aprumada por convenção, ao ponto de – assim que as colossais jams passam Ă condição de corpos gasosos - acabarem por se dissolver no hiperespaço quaisquer referĂŞncias que permitam distinguir o inĂcio do fim, dominância do baixo sobre a guitarra (ou vice-versa) e a identidade do instrumento que, em primeiro lugar, terá incitado Ă prece sĂłnica.
A avalanche Earthless ultrapassa aquela indefinĂvel fronteira que separa o pĂłs-grunge dos manifestos psicadelicamente apetecĂveis e impressionáveis (e nĂŁo demasiadamente eruditos), aqueles que reafirmam o sentido da frase proferida por Drew Ballinger assim que deu por si como derrotado no duelo de banjos de Deliverance - Fim-de-semana alucinante: "Estou perdido.". E estava, já que havia de ser ele o sacrificado pela arrogância citadina com que os quatro trataram o meio hillbilly adjacente ao rio Cahulawassee. Da mesma forma, Sonic Prayer exige uma dádiva, um naco de candura auditiva a ser cilindrado no seu altar em forma de menir.
Dá vontade de ganhar barba e limitar os hábitos higiénicos aos praticados por um ermita. Na eventualidade de se tratar realmente de uma oração, Sonic Prayer será primariamente vocacionada para uma intervenção herética – daquelas que, indecentemente, estimulam a que se sacrifiquem vezes sem conta 40 minutos de tempo útil em prol de uma anti-gravidade que se descobre apenas à cauda de discos isolados de factores externos como a pressão, escassez de permissividade e, sobretudo, presunção.