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Joana Machado CRUde

2006


Um disco que vai buscar o nome a um jogo de palavras entre “cru†e “crude†pressupõe à partida algo austero, rugoso, bruto. Mas quando olhamos para a capa do disco e deparamos com a face luminosa da cantora Joana Machado (e durante dois minutos ficamos presos nos lábios, nos olhos distantes e nos cabelos rebeldes da menina, sem sabermos bem porquê) vemos que há aqui uma incompatibilidade óbvia. “We live in an age where we listen with our eyesâ€, lê-se nas liner notes. É verdade que a música sobrevive (e muito bem) sem a percepção visual, mas depois de a conhecermos já não conseguimos esquecer a imagem simultaneamente frágil e forte da rapariga que teima em dar nova voz a clássicos de jazz e outras coisas.

“Crude†é o primeiro disco de Joana Machado, jovem cantora de jazz. No acompanhamento instrumental estão três dos melhores músicos nacionais. Na guitarra (acústica e eléctrica) está Afonso Pais, que se revelou com o disco “Terranovaâ€, editado pela Clean Feed. O contrabaixo fica por conta de Bernardo Moreira, um músicos com mais história no jazz português. E a bateria é da responsabilidade de Bruno Pedroso, que integra grupos como Zé Eduardo Unit ou Lisbon Improvisation Players (de Rodrigo Amado). Este trio, com especial destaque na guitarra rendilhada de Afonso Pais, é base (consistente) para a voz de Joana se explanar.

E a voz… Neste seu cartão de apresentação ao mundo, Joana Machado trata de mostrar os seus trunfos todos: elasticidade, flexibilidade e poder. E, para lá das acrobacias técnicas, uma doçura permanente. Não é difícil ficarmos enfeitiçados com esta voz – é, aliás, normal que tal aconteça, não serão necessários mais do que alguns minutos de audição atenta. O alinhamento alterna entre standards (“‘Round Midnightâ€, “Day Dreamâ€, “When Sunny Gets Blueâ€), temas brasileiros (“Ana Luizaâ€, “Ginga Cariocaâ€) e também originais de Afonso Pais (“Roda Dentada†e “Tema da Joanaâ€). Sem utilizar o truque fácil de apostar em hits, esta selecção de temas menos evidentes revela, acima de tudo, ponderação e equilíbrio - apelando ao considerável segmento jazz old-school, aproveitando o fascínio pela música do Brasil e sem esquecer a (imprescindível) dose de originalidade.

Acabadinha de entrar em jogo, Joana Machado já demonstrou capacidade para pode lutar pela primeira divisão das vozes nacionais, apesar da concorrência ser temível – Maria João, Jacinta e Paula Oliveira fazem o papel dos três grandes. Fresca e irresistível, merece o mesmo sucesso e reconhecimento que, por exemplo, o disco “Tribute to Bessie Smith†de Jacinta obteve. Ainda sem se perceber bem a intenção do título, talvez uma opção simples fosse mais adequada: “cruâ€. Pela sensibilidade despida com que nos envolve, num limbo de fragilidade e força, este disco (cru) é uma feliz revelação.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
28/02/2006