Entre outros termos de aplicação debatÃvel, regista-se camp - mote que estimula a argumentações, ensaios e livros temáticos desde meados do século passado. Resumidamente, camp serve como adjectivo para tudo aquilo que provoque reacções habitualmente resultantes de uma “armadilha†humorÃstica, mesmo que sem ser esse o efeito inicialmente pretendido. Exemplos disso serão potenciais agentes de riso involuntário como Vincent Gallo vestido de astronauta em Náufragos, a filmografia de Ed Wood ou as patilhas e bigodes falsos de O Segredo de Brokeback Mountain – todos eles à priori respeitáveis, contudo, decididamente difÃceis de encarar com um rosto sério. Mais bizarro que Vincent Gallo em Marte só mesmo as últimas opções profissionais de Artur Albarran antes de sair de cena.
Posto isto, pode um acontecimento musical ser instantaneamente camp? Certamente que sim, se atendermos a que Chinese Democracy - o pretenso disco que haverá de ressuscitar Axl Rose do primeiro hype fossilizado - é, desde há cinco anos, um fenómeno sem nunca ter existido. Numa escala de menor impacto mediático, temos – com este sampler - a Fargo a tentar-nos convencer de que há um movimento de folk na Escandinávia sem que a destrambelhada selecção respeite outro critério que não a zona da Europa de onde provêm os músicos recrutados (de Junip a Britta Persson vai um enorme intervalo qualitativo e surgem alinhados no disco!). Ambos os casos - Democracy e a presente compilação - são propÃcios a uma apreciação trocista, nem que seja por força de uma espera que a todo o instante ameaça terminar em farsa. Ninguém se deixaria convencer por um episódio de Bonanza interpretado pelos membros dos Motorpsycho (representados em modo interlúdio). Falta a Cowboys in Scandinavia um Hoss que trate de se impor sobre restantes clones.
Apesar de derivativo, “Allelujah†– salmo orado por Christian Kjellvander – é o primeiro e grande (único?) momento do disco. Comove a sua prece emitida a partir do diafragma, em vez de por via nasal; verbalizado no “allelujah†do tÃtulo como se fosse o “yodeling†de Eddy Arnold em “Cattle Call†(que fazia o tempo voar em My Own Private Idaho de Gus Van Sant, filme que também incide sobre um par de cowboys deslocados). À margem do contexto que a abarca em disco homónimo, chega a soar frágil “Soul Rush†a cargo de Nicolai Dunger, cujos dotes de vaqueiro haviam já impressionado os Calexico que a ele se juntaram na gravação do EP Convict Pool. Escapam também ilibados Junip e Tobias Fröberg. Tudo o resto é assombrado pelo descalabro eminente.
A apropriação de comportamentos alheios funcionava no caso dos Mutantes – que se atiravam às harmonias dos Beatles como salteadores - ou no imenso Japão - cujo isolamento cultural opera naturalmente a conversão sem lhe imprimir um aspecto rude. Cowboys in Scandinavia abunda em obtusas cópias de cópias. Acaba por ser a carência de subtileza a fazer dele um objecto cujo carácter sanguessuga se escuta com um voyeurismo mórbido e nem tanto por curiosidade esperançosa de descobertas. Não atrai continuamente até à sua fogueira, não provoca repúdio, não se chega a exorcizar de tiques - antes percorre-se com uma indiferença cujo registo mental não sobrevive ao sono de uma noite. Todos estes cowboys de domingo parecem estar perdidos na neve que a dupla Matmos digitalizou para que a voz de Björk parecesse ainda mais peregrina na escalada reveladora que representa "Aurora", antecâmara do cume de Vespertine. Ou seja, soterrados por um sentimento de isolamento próximo do glaciar, mas bem longe de margem que seja de novidade aplicada à Americana como a conhecemos a uns Calexico.
Com tudo isto, ganha por goleada a parcela mais “afreakalhada†da folk nórdica que acabou por ser excluÃda do conjunto. Muito mais cativante tem sido o trabalho de gente nobre como Islaja (importa (re)descobrir Palaa Aurinkoon) e Dungen, que pertencerão a uma divisão de culto que já dispensa a montra dos samplers. Suspeita-se que nomes como esses não se enquadrariam ao lado do assobio cristalino de Andrew Bird, que muito provavelmente será a figura de proa na actual Fargo. Além disso, é quase contra-natura ter de interromper a escrita num simples teclado para coroar com dois pontinhos os “ö’s†que de que necessitam nomes como Tobias Fröberg – inconsequentemente representado por uma folk feel good - ou Mikael Herrström – que, com sorte (ou azar), ainda termina a actuar nos Cardinals que acompanham Ryan Adams e terá de se habituar a dormir apenas 2 horas por dia. Esqueçamos os “ö’sâ€. Muito mais prático é aplicar ao caso um adjectivo que nem sequer necessita de acentuação: desinteressante.