A ansiedade de um pĂşblico faminto mede-se tambĂ©m pela inventividade aplicada aos mĂ©todos usados para enganar a fome. Exemplo flagrante disso será a reutilização abusiva de que foi alvo o par de discos originais conhecidos aos Portishead – tetas sagradas do protĂłtipo trip hop, de que se tem feito sopa de pedra enquanto os autores de Dummy nĂŁo quebram um muito badalado hiato (superado apenas por aquele que mantĂ©m em anedĂłtico suspense o lançamento de Chinese Democracy dos Guns n’ Roses). Embora variem de qualidade, os resultados de diferentes perspectivas de apropriação podem ser descobertos um pouco por toda a web. Por lá gravitam um infindo nĂşmero de remisturas, samplagens descaradas dos clássicos “Numb” ou “Sour Times" ou atĂ© mesmo discos que combinam a voz isolada de Beth Gibbons com inĂ©ditos contextos jazzĂsticos atĂ© aĂ desprovidos de voz. Pesando a certeza de que a soma da espessura dos ramos derivados será já superior Ă dos discos que lhes serviram de tronco. AlĂ©m disso, Ă© sabido que o tempo que toma a espera de um Messias Ă© propĂcio ao surgimento e aceitação de burlões. Mediante isto, Ă© favor consultar as compilações Winter Chill para aceder Ă lista de terroristas que tĂŞm atribuĂdo um mau nome ao gĂ©nero que gatinhou a partir de Bristol. Poupe-se a tal esforço: Night of the Hunter serve enquanto listener’s digest das mais desinteressantes repercussões do trip hop. Sim, Ă© tĂŁo bera quanto isso.
Pior sĂł mesmo o carácter malĂ©fico do Reverendo que protagonizava a obra-prima noir que partilha do nome do disco disposto na marquesa. AlĂ©m do memorável tema musical, que mereceu uma versĂŁo dos FantĂ´mas em The Director’s Cut, ecoava ao filme um monĂłlogo em que Robert Mitchum – temĂvel como nunca – invocava a parábola bĂblica de Caim e Abel para descrever a luta constante entre o “ódio” e “amor” que trazia tatuados nas mĂŁos e, com a vitĂłria do “amor” sobre o oposto, convencer os circundantes de que era um bem intencionado enviado do Senhor (quando, na verdade, era um dos vilões mais aterradores do cinema de 50).
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De forma desviante, Wayne Magruder tenta fazer-se passar por agente capaz de descrever musicalmente o atrito que produz a colisĂŁo de sons caracteristicamente pastorais e correspondentes densamente urbanos. A dissecação dos Ăşltimos nĂŁo será propriamente estranha Ă quele que já compassava a amargura citadina no lugar do baterista dos Calla, que, dizem as más lĂnguas, serĂŁo apenas uma invenção insuflada por locutores de rádio com um fetiche por Brooklyn (de fato e gravata). Independentemente disso, Ă© de facto possĂvel escutar ecos ao caule adquirido ao lado dos Calla nas batidas de “Souvenir” ou “Oak (In the Small Hours)” (exercĂcio sobre a banalidade de raiz etĂ©rea), enquanto que, por sua vez, as ambiĂŞncias adelgaçadas de outras faixas assinalam as passagens pelos Bowery Electric e Windsor for the Derby. Ă€ semelhança desse e emparelhados em justaposição, desfilam simultaneamente uma sĂ©rie de confrontos mais ou menos assumidos: a guitarra acĂşstica que recusa partilhar loft com um baixo soterrado de groove requentado, o supervisionamento do hi-fi atento Ă s manobras sorrateira do lo fi, que por lá anda sob a forma da acĂşstica mais crua. Reacções quĂmicas que, em Ăşltima instância, resultam em nada. Sobram entre os escombros a voz de sereia de Jana Plewa e “Back porch apology”, que parece navegar Ă deriva na ternura oceânica de Washing Machine, o álbum que acusou a chegada dos Sonic Youth ao ambiente familiar que a paternidade implica.
Night of the Hunter podia atĂ© cumprir o propĂłsito que serve de fundamento aos discos da excelente label japonesa Noble – “mĂşsica apropriada Ă rotina”. Isto no caso dessa rotina conviver bem com a nulidade do objecto ou necessitar de alternativa aos discos de Morcheeba. Aos outros, aconselha-se a audição atenta de Every Still Day, disco que Taylor Deupree gravou a partir de material recuperado aos obscuros Eisi. Ou, melhor ainda, a confecção de diferentes saladas de frutas com a colheita recolhida ao pomar Portishead. Mantendo sempre a esperança de que o "ata" finalmente se desate e traga atĂ© nĂłs o merecido terceiro disco da entidade que, ao ser reactivada, nos livrará certamente do convĂvio com discos tĂŁo obsoletos como Night of the Hunter.