Do pequeno, mas rico em polémica, mundinho do jazz português, Rui Azul é uma das personalidades menos evidentes mas ao mesmo tempo mais interessantes. Editou no ano 1991 um primeiro disco, Pressões Digitais, onde se fez acompanhar de gente como o Vítor Rua (do duo Telectu) ou Rui Júnior (d’O Ó Que Som Tem). Participou em vários festivais de jazz e editou um segundo disco, Jazz Live Recordings, que reúne gravações ao vivo entre 1989 e 2002. Mas Azul tem na música apenas parte da sua obra. Enquanto artista plástico e designer tem desenvolvido um trabalho consistente que complementa a faceta de músico.
Em 2004, Rui Azul resolveu embarcar numa empreitada solitária: controlando o processo de criação, do primeiro ao último instante, forjou um disco em que cada instrumento, cada nota, cada som é da sua única e exclusiva responsabilidade. À Bolina é o resultado deste minucioso trabalho. Para além da música, quase todo o artwork, design, ilustrações e textos que preenchem o booklet são da sua autoria. Se à primeira vista este é claramente um disco de jazz, há que notar que se trata de jazz pouco habitual. Enveredando por uma espécie de fusão, há um saxofone que serve de fio condutor para um disco que é composto por sugestões que invocam vários territórios. Pela vontade do autor, este é o diário de uma viagem imaginária. E será uma viagem marítima, uma viagem por terras orientais, onde as alusões sonoras se misturam com uma certa inclassificável alma portuguesa que a música transmite.
Distante da estrutura tradicional do refrão-improviso-refrão, a música avança indiferente a regras pré-estabelecidas, seguindo uma coerência própria. As sonoridades exóticas relembram lugares longínquos, e a culpa é da instrumentação escolhida: rhäita, zummara, didgeridoo, dar’buka, entre outras coisas. Recorrendo a uma combinação entre meios acústicos e digitais elabora-se um disco bem costurado onde os temas vão surgindo como ondas – e a temática marítima é permanente. Pelo meio do disco, uma pérola humorística: “A família e o esturjão”, um conto de Mário Henrique Leira que serve como interlúdio. A ondulação do mar, ritmo constante que é utilizado como padrão unificador, está antes de mais evocada na capa – fantasia surrealista em que o saxofone é a caravela rumo ao imprevisível. Rui Azul viaja, sozinho, mas confiante no destino. E este disco, surpreendentemente, é uma ilha perdida no jazz português.