Dos executantes da música jazz da actualidade Brad Mehldau será, sem grandes dúvidas, dos mais populares. Logo depois de Keith Jarrett, talvez o único nome capaz de gerar consenso universal, Mehldau consolida-se como o mais importante pianista do nosso tempo. Tal como Jarrett, Mehldau é um seguidor da escolha Bill Evans, o pianista branco cujo lirismo da música era proporcional à tragédia da vida pessoal - revolucionário, deu um novo requinte ao piano no jazz, pela sua maneira de tocar, introspectiva e delicada, herdeira da música clássica. É a Evans que muitos vão buscar a inspiração da sua arte. Gente como Uri Caine, Chick Corea e até mesmo o “nosso†Bernardo Sassetti podem ser considerados seguidores do homem que gravou Waltz for Debby, mas Brad Mehldau é, nos dias que correm, talvez o seu mais proeminente seguidor.
Em nome próprio Mehldau tem construÃdo uma carreira robusta, onde os tomos The Art of Trio se revelam fundamentais. Sob este tÃtulo têm sido editados vários volumes seguidos, onde a música é ancorada num trio clássico (sustentado em contrabaixo e bateria) que, respeitando as regras consegue injectar algum entusiasmo em forma de jazz. Aparte destas edições, o disco gravado no Japão em 2004 - Live In Tokyo - é o outro expoente da arte de Brad Mehldau, neste caso um prodigioso monumento solÃstico. E o disco Largo, editado em 2002, assume-se como um pequeno OVNI quando analisado com a restante discografia.
Figura central neste disco é Jon Brion, colaborador de extenso curriculum pop (de Aimee Mann a Kanye West). Aqui, o produtor transforma aquilo que seria um simples disco de Mehldau num espaço aberto que acolhe os mais diversos elementos. Sendo que a essência já se encontra toda no piano, os arranjos de Brion serviriam apenas como papel decorativo. No entanto a mão de Brion é levada longe demais e a música fica irreconhecÃvel. Como exemplo mais claro, pelo meio do disco surge inesperadamente a música “Sabbathâ€, uma espécie de experiência soft-noise (e uma homenagem à banda de Ozzy Osbourne?) – o que, enquanto experimentação fora das paredes habituais, é de louvar, mas aqui surge como desequilÃbrio.
No entanto a tradição tem ainda algum peso neste disco. É da tradição Mehldau apropriar-se de temas pop, particularmente dos Radiohead, e neste disco há uma épica versão (9m07s) de “Paranoid Androidâ€. Outro caso é o medley “Wave/Mother Nature’s Sonâ€, em que Mehldau troca o piano pelo vibrafone – juntando-lhe o ritmo electrónico o resultado fica estranho, quase lembrando Jaga Jazzist e amigos. Mas há apesar de tudo um fio condutor, o piano de Brad Mehldau, que é o coração do disco e cuja técnica extraordinária faz esquecer outros eventuais desacertos.
Não estará de todo errado classificar esta gravação de incoerente. Neste longo disco, que ultrapassa uma hora de duração, a convivência entre o lirismo, a ousadia dos arranjos e a tentativa de experimentação acaba por soar forçada e desenquadrada. Percebe-se contudo que seja possÃvel apreciar momentos isolados, abstraÃdos do conjunto. Visto à distância, este álbum acaba por parecer pobre, porque desequilibrado. Mas, não nos esqueçamos, Brad Mehldau é grande. E, apesar de já nos ter provado isso, sabemos que vai continuar a surpreender.