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Darren Hayman Cortinaland

2005
Acuarela / Popstock


Darren Hayman é o ex-vocalista dos Hefner, banda inglesa que nunca ultrapassou o estatuto de semi-mediatismo. Começando algures entre o indie e o folk, o grupo já trilhava caminhos sonoros menos ortodoxos quando se separou, em 2002. No ano seguinte Hayman formou com John Morrison (também ex-Hefner) o duo The French, centrado na exploração da música electrónica. Nos últimos meses, ao que parece, Hayman fartou-se de trabalhar com sintetizadores e caixas de ritmos, decidindo-se assim a iniciar uma carreira solo paralela aos The French. O EP Cortinaland, com cinco faixas, é uma espécie de aperitivo para o longa-duração que há-de surgir e que já leva dois anos de preparação.

Se Darren Hayman estava farto de instrumentos sintéticos e queria um som menos asséptico, então conseguiu-o com toda a propriedade neste EP: há um espírito quase infantil, brincalhão e celebratório em todas as músicas, predominantemente acústicas e de raiz folk. Mas também há pozinhos de perlimpimpim: a produção é cuidada e insere elementos electrónicos e bizarros quanto baste, que dão bem a entender que se trata de um disco contemporâneo. Mas a ideia forte que fica é a de Darren a exprimir toda a alegria de voltar a sentir a “materialidade†dos sons.

O alinhamento segue uma filosofia de alternância entre canções up tempo (as faixas ímpares) e canções próximas da balada (faixas pares). Ganham nitidamente as primeiras: Hayman só tem em ganhar em manter um certo desarranjo nos arranjos e em apostar no tom irónico que dá às suas composições um “charme vagabundo†de cantor de rua (possivelmente com uma trupe de palhaços a segui-lo). A abrir, “Leave Your Shoes On†seria o tipo de single-entra-logo-no-ouvido que deveria ocupar o airplay> de uma qualquer rádio pop-urbana, não fossem estas acéfalas e presas a tops pseudo-científicos “made in Billboardâ€. Combinando o ukulele e uns quantos sons electrónicos, bem que merece o epíteto de “doce popâ€. Um ainda melhor exemplo do espírito descomprometido de Hayman é “Crissy M.†(que recupera o balanço depois da balada “The Light in Her Roomâ€): com um piano infantil e assimétrico, a música poderia ser tocada numa qualquer festa de Natal para miúdos de três ou quatro anos. Mas os pais não evitariam um sorriso comprometido às alusões sexuais da letra: “Crissy M.†refere-se na verdade a Crissy Moran, uma estrela porno, numa espécie de ode desculpabilizadora dos seus actos: “Her heart is not in it / It never really was / She is not a dirty slutâ€, canta Hayman. Ao referir-se ao espírito de Crissy no acto sexual em si, a metáfora é deliciosa: “She imagines it’s a fashion show in Tuscanyâ€â€¦

Já “Little Democracies†é um exercício instrumentalmente etéreo, movido a sintetizadores (Hayman atira a electrónica para trás das costas apenas parcialmente). É o tema mais experimental do EP e, por essa razão, não deixa de parecer uma música fora do seu habitat natural, que perde força no contexto do disco. A somar a isso é também a tematicamente mais séria, parecendo ser dirigida especificamente a Tony Blair: “It was May 97 / at two in the morning / when I first met youâ€, pode ouvir-se, numa referência às eleições em que o trabalhista subiu ao poder. Mas a ironia não desaparece, já que o cantor se refere a Blair no estilo de uma declaração de amor, com versos como estes: “Remember how we use to say / All that’s wrong with the world is the USA / We know that’s wrong / How we get along / When we’re not in loveâ€. “A Different Kind of Meâ€, a fechar, fica entre o tom uplifting e o nostálgico, tendo como base o piano e o baixo, adornado por percussões minimalistas e livres e por um banjo. E há mais versos inspirados: “I have a few regrets / Those compilation cassettes / Didn’t have enough black music / Or songs by folky womenâ€. Hayman consegue mostrar neste EP que está vivo (e bem vivo) e promete um belo longa-duração (nome provisório: Table for One), cheio de pop açucarada, com saída apontada para Fevereiro de 2006.


João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
30/12/2005