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James Blackshaw Lost Prayers and Motionless Dances

2004
Digitalis Recordings


Da história universal da música popular temos poucas certezas, mas uma coisa é garantida: John Fahey foi um dos maiores inovadores da história da guitarra e o seu legado é enormíssimo. Desde 1964 até 2001, gravou material que definiu estéticas, conceitos e história. Robbie Basho trilhou estradas ao lado de Fahey, embora com menos reconhecimento e menos material gravado, mas deixou também uma marca inolvidável.

Fahey faleceu em 2001, Basho faleceu em 1986. Foram-se os mestres, mas arte não se perdeu. Nos anos recentes uma nova geração de cultores da guitarra agarrou a herança e continuou o trabalho. E os iluminados pelos altares de Fahey e Basho são vários. Trabalham de maneira diferente, cada um com a sua voz e pelo seu caminho, mas o desafio é comum: a elevação da guitarra. Eles são Ben Chasny (Six Organs of Admittance), Jack Rose, Glenn Jones. E James Blackshaw.

No ano de 2004 o londrino James Blackshaw editou Celeste e desde logo se notou a pertinência daquela música. Com a guitarra de doze cordas, elaborou uma delicada filigrana acústica, devedora do estudo das mais refinadas técnicas, complementada com um elaborado tratamento a nível de efeitos. Lost Prayers and Motionless Dances é editado no mesmo ano 2004, não muito distante de Celeste. E Lost Prayers… é um drone imenso: o disco inteiro é constituído por uma única faixa que se aproxima dos trinta e cinco minutos.

Pegando no legado dos mestres evidentes, John Fahey e Robbie Basho, Blackshaw tem a ousadia (coisa própria da juventude) de propor a sua própria visão. Ainda é demasiado cedo para falarmos de consagração mas, depois de ouvirmos Lost Prayers and Motionless Dances, é de prever que Blackshaw esteja abençoado pelos mestres. Ouvir a faixa única do disco sem paragens é uma experiência sensível, quase mística. Como se a beleza da terra se pudesse confundir com os mistérios nebulosos do céu, uma ambivalência peculiar captada na guitarra de James Blackshaw.

Fahey está vivo. John Fahey está vivo quando Ben Chasny nos arrepia a pele com os acordes de “Lisboaâ€. Basho está vivo. Robbie Basho está vivo quando Jack Rose dedilha a espiritualidade das cordas da guitarra em “Yaman Bluesâ€. E quando um tal de James Blackshaw se propõe apresentar a sua visão do mundo destilada através de uma guitarra acústica sabemos estamos em boa direcção. A memória da música de Fahey e Basho está gravada a ouro. E cada um dos novos talentos que periodicamente aparece trata de relembrar. E ainda bem.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
09/12/2005