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The Juan MacLean Less Than Human

2005
DFA


Pelo que a história indica, a palavra robô, proveniente do termo robota (a palavra checa para trabalho forçado), foi pela primeiríssima vez utilizada numa peça de teatro da autoria do checo Karel Capek, quando o calendário marcava o longínquo ano de 1922. Nessa peça, Rossum's Universal Robots, os subordinados robóticos de uma fábrica insurgem-se contra os seus patrões, massacram-nos e acabam por assumir o controlo das operações. A mesma peça de Karel Capek apresenta um paraíso onde os robôs inicialmente estão ao dispor dos humanos tornando-lhes possível alguns benefícios verdadeiramente generosos, mas no final tudo se transforma precisamente no oposto, dando lugar à inquietação social e ao desemprego. Passados 20 anos, Isaac Asinov – que publicou em 1950 o livro Eu, Robô - alinhava aquilo a que chamaria de “Três leis da robótica”. A primeira dessas leis dizia que um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, consentir que um ser humano seja ferido; a segunda, afirmava que um robô deve obedecer às ordens que lhe são dadas por seres humanos, excepto nos casos em que tais ordens contrariem a primeira lei; por último, na terceira lei, Isaac Asinov declarava que um robô deve proteger a sua própria existência, desde que tal protecção não entre em conflito com a primeira e segunda leis.

Não quer isto dizer que John Maclean, um dos nomes mais importantes da DFA, esteja no desemprego, nem que se seja um robô e que se tenha revoltado recentemente contra os seus “patrões” ou sequer que tenha colocado nas mãos da robótica a concepção de Less Than Human. Mas a verdade é que, como o próprio título do disco o indica, isto tem a mão das indomáveis máquinas (e aqui a influência dos Kraftwerk é especialmente notada), que só não tomam conta das operações e substituem por completo o dedo quente dos humanos porque a vontade do autor assim não permite. E o autor, John Maclean, foi guitarrista (e também dava uns jeitos no synth lá da zona) dos pós-punk Six Finger Satellite mas a certa altura chateou-se, mandou a banda dar uma volta e entrou em hiato criativo. E foi precisa depois a persuasão de James Murphy e de Tim Goldsworthy para que John Maclean voltasse a fazer música de novo. Com efeito, Less Than Human é então o disco que surge na DFA depois de alguns singles em vinil, e os motivos acima referidos são apenas alguns dos muitos que fizeram com que o disco fosse merecedor do sempre bonito titulo long awaited album - provavelmente um dos mais aguardados de 2005 para muitos.

Less Than Human, que se faz também com a ajuda do trabalho de Murphy, Goldsworthy e da voz de Nancy Whang, é notoriamente um disco de dança, mas igualmente um disco rock – disco mutante portanto, que também pode ser objecto de audição tanto caseira como das pistas de dança. É um registo dotado de uma certa elasticidade que lhe permite esticar os braços e agarrar para si novas direcções. Os traços de funk com um pé no futuro e outro no passado de “Give Me Every Little Thing’” são prova disso. Mas o funk repete-se – e em doses mais do que generosas – aquando da explosiva “Crush the Liberation”. Mas “explosiva” é palavra que não pode ser atirada assim para o ar sem que caia precisamente em cima de "Shining Skinned Friend", na sua percussão forte, na sua voz robótica alterada via vocoder, no theremin ruidoso, na forma como nos seus quatro minutos e meio consegue ganhar imediatamente o prémio de melhor faixa do disco.

Continuando, “Tito’s Way” (cheia de apitos, cowbell e elementos de inclinações latinas) chama a atenção pela sua singularidade e leque de opções, apesar de até nem ser uma das melhores faixas do disco. De resto, apesar da tendência essencialmente maquinal do disco, há por aqui – em Less Than Human - linhas de baixo pulsantes, uma bateria live, guitarras, flauta, piano, moog e vozes mais ou menos robotizadas – Nancy Whang dá voz a “Dance With Me”, tema com mais de 14 minutos que encerra o disco – e essa existência real de instrumentos é forte contributo para a diversidade que aqui se alcança. Pode não ser totalmente aquilo que esperavam dele, mas Less Than Human é um bom disco. Tão certo como ser impossível abrir um pacote de leite sem o entornar, já que o Guinness World Records diz ser perfeitamente possível lamber o próprio cotovelo.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
24/11/2005