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Sigur Rós Takk...

2005
EMI


Em 2001, quando Ágaetis Byrjun chegou das paisagens gélidas da Islândia, os Sigur Rós eram um tesouro guardado para uns poucos de sonhadores românticos que lhes confiaram uma porção significativa da sua esperança. Canções como “Starálfur” e “Viðrar vel til loftárása”, apesar das suas diferenças óbvias, ganharam imediatamente o epíteto de condutores de sonhos e de fragilidade. ( ), lançado em 2003, serviu de reforço do sonho (dotado de um gélido minimalismo), mas agora tudo mudou – pelo menos em termos de exposição ao público. Com Takk…, os Sigur Rós têm lugar cativo nos topes, e não é raro ver-se promoção ao disco em cartazes espalhados pelas ruas junto a outros cartazes de eventos, no mínimo, burlescos – o que se deve obviamente à mudança de editora. Para juntar a tudo isto, a banda havia apontado Takk… como um disco de rock ‘n’ roll e os mais conservadores apostavam o dinheiro todo no desaparecer da intimidade que marcou os três lançamentos anteriores – não esquecer Von, o disco de estreia que até foi reeditado entretanto. Mas as apostas negativistas saíram, na sua maior parte, goradas.

Apesar de Takk… ser, sem dúvida, um disco de tonalidades pop - pelo menos à superfície – os Sigur Rós continuam a soar aos Sigur Rós, ou seja, a algo que, apesar de passível de ligações, é tão próprio como o hopelandish que um dia o mundo descobriu – quer se queira quer não, os Sigur Rós são uma das bandas mais distintas dos últimos anos e, apesar da curta carreira, influência para muitos. Desconhece-se até à data as bases de sustentação para se afirmar Takk… como um disco de rock ‘n’ roll, por isso o melhor é pensar que o conceito de rock ‘n’ roll dos islandeses seja o de compor bandas-sonoras para o derreter dos glaciares; algo como um rebentamento interno.

Dito isto, Takk... é mais Ágaetis Byrjun do que ( ). A grande metamorfose neste disco é, portanto, ao nível dos arranjos. Takk… é um disco cheio, feito de baixo, de bateria, de guitarra, de instrumentos de sopro, das vozes familiarmente etéreas e, sobretudo, de uma imensidão de cordas. Enquanto que ( ) apostava na estética menos é mais (em todos os sentidos), Takk… segue a ideia que mais é, bem, mais. Os momentos mais obscuros de ( ) também se diluíram – curto e grosso, foram dar uma volta - e abriram espaço para que Takk… seja um longo, harmonioso e ininterrupto caminho pela luz e pela exaltação da esperança. Takk… é, em suma, um perfeito substituto para os antidepressivos.

Logo a abrir, “Takk…” é mais um calmo e lento despertar, mais uma introdução capaz de colocar tudo em perspectiva, como “Intro” fazia em Ágaetis Byrjun. Continuando com as comparações, “Glósóli” é de certa forma equiparável a “Svefn-g-englar” na forma como introduz a direcção a seguir pelo disco e na dimensão etérea, mas com um grupo de soldadinhos sub-18 que marcham rumo à eternidade enquanto pequenas caixas de música tilintam e rejubilam. Tal como o vídeo-clip que serve de apoio ao single, “Glósóli” é um lento caminhar, em crescendo, até atingir o clímax em modo explosão (piscar de olho a movimentações a la Explosions in the Sky) a um pé do precipício – ou por outras palavras, a tão desejada remição. Não há como dizê-lo de outra forma: os Sigur Rós aqui, em Takk…, rebentam pelas costuras de uma fé indizível por palavras, quase tonta na sua manifestação – veja-se o caso da belíssima “Hoppípolla” (colorida por cordas e até instrumentos de sopro) e confirme-se depois como todas as erupções necessitam de bonança (“Með blóðnasir”).

“Sé Lest” aproveita a acalmia para repor as ideias e torna-se o ponto onde se cruzam todos os pequenos “cliques” e “claques” (todos as pequenas e quase invisíveis minudências que figuram em Takk… e que se movimentam um pouco por todo o lado) para ganharem fôlego para as próximas investidas, e ainda uma mini-fanfarra, um piano, meia dúzia de brinquedos (alguns de corda) e pinceladas tremeluzentes de cordas - algures, um feixe de luz termina a sua caminhada. “Saeglópur”, uma das construções (posta em marcha por um piano que se mantém até ao fim) mais majestosas e grandiosas de Takk... (e uma das duas únicas que se afastam da luz por alguns momentos – a outra é “Gong”), tem algo de Godspeed You Black Emperor! na severidade das guitarras e violência da busca, na proximidade à catarse e, ao mesmo tempo, ao apocalipse.

“Mílanó” e “Gong”, duas canções que os Sigur Rós já vinham apresentando ao vivo há algum tempo (os islandeses gostam de ir apurando as canções com tempo) surgem em Takk… contrastando em ambiência mas de braço dado na beleza. Na segunda há quase um vento glacial que corta como lâmina, talvez impulsionado pela percussão esparsa. E há aqueles pequenos ruídos que atribuímos a criaturas que desconhecemos. “Andvari”, “Svo hljótt” e “Heysátan” (as três faixas que restam) são o garante que o barco, com mais ou menos tempestade, com um nevão mais ou menos intenso, chega a bom porto.

Takk… não é certamente o motim dos sensíveis da meia noite às 4 da manhã – vulgo Ágaetis Byrjun. É feito de tantos avanços como recuos, uma espécie de best of mas com canções originais. Takk… é ao mesmo tempo disco para arrumar uns quantos detractores a um canto, dar boleia a alguns novos adeptos para a causa e convencer até mesmo aqueles que haviam torcido o nariz a ( ). Takk… é, sem sombra de dúvidas, um disco de uma beleza ao alcance de poucos e com uma novidade – é um disco para se ouvir do nascer do dia até ao rebentar do próximo.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
18/11/2005