Já sabemos que bom filho à casa torna, mas fica por esclarecer o destino reservado para o filho que um dia virou às costas a quem o viu crescer para sozinho rumar a uma quimera de ouro. Os Cave In cumpriram o percurso do rebelde que, com as suas primeiras demonstrações, reuniu sólido culto, para depois o alienar com o pulo para a major RCA (onde lançaram um Antenna que, inexplicavelmente, lhes valeu lisonjeiras comparações aos – respire fundo – Radiohead circa – expire fundo - OK Computer). Agora o rebelde permanece às escuras numa encruzilhada onde o futuro incerto o impede ver um palmo à frente do nariz. Confuso, ensaia à porta do lar um discurso que expresse um pretexto convincente para a atitude tomada há uns anos. Os Cave In de hoje são uma grotesca figura bicéfala (que contrapõe as esperançosas vocalizações asa-delta de Stephen Brodsky ao grunhido laminado do baixista-vocalista Caleb Scofield) e Perfect Pitch Black uma fábula horrenda para ler a meninos com medo do nu-metal-papão.
Quando Ă© o mais puro dos desleixos a sabotar a feitura do objecto, nĂŁo há justificação possĂvel para o descalabro. Quando há uns anos o pĂşblico portuguĂŞs se ressentiu da provocação invisual de Branca de Neve (o maldito filme de JoĂŁo CĂ©sar Monteiro que durante raros momentos exibia outra imagem que nĂŁo um mosaico totalmente negro), houve um ou outro dĂ©spota que se deu ao trabalho de vir para a praça pĂşblica teorizar sobre as mudanças de tonalidade no negro absoluto do polĂ©mico filme. NĂŁo ter alegado que o sotaque brasileiro coincidia com uma maior intensidade do negro ainda salvou esses senhores do ridĂculo. Infelizmente, nada parece salvar Perfect Pitch Black do desespero em que mergulhou com a sua variância espalhafatosa de registos. O Bodyspace atribui menção honrosa a quem surgir com uma explicação capaz de resolver o enigma “PorquĂŞ o sumiço do equilibrante uivo gutural na segunda metade do disco?”. Culpem as obrigatoriedades do conceito. Branca de Neve ainda conseguia ser um capricho de autor. Perfect Pitch Black Ă© o prenĂşncio de um colapso que fará a terra finalmente desabar sobre a cave.
E nestes casos sobra sempre um bom riff para constar no epitáfio. Lá se encontra lapidado o riff de “Off to Ruin”, que chicoteia o disco atĂ© Ă ruĂna. Aquela que se escuta a “Paranormal” – Liam Gallagher (por aproximação entre a sua e a voz de Brodsky) num violento episĂłdio de Ficheiros Secretos alongado atĂ© Ă marca tortuosa dos sete minutos - e “Tension In The Ranks” – valsa estilizada pronta a vender a alma ao demĂłnio por um dedo de Maynard James Keenan (ele que tĂŁo bem sabe insuflar o metal com credibilidade arty). Espera-se dos Cave In uma vontade de renovar que os leve a articular o disco com algum arrojo, mas aconselha-se uma medição ponderada ao passo a dar para que os autores de Antenna nĂŁo tropecem na pretensĂŁo do exercĂcio.
ApĂłs a curta digestĂŁo, sobra a fome. A mesma que ronca quando a miopia de recursos nada encontra ao breu indistinto. Ironicamente, Perfect Pitch Black representa na exactidĂŁo o que designa o seu tĂtulo: um buraco-negro de boas intenções e fraca execução das mesmas.