Depois do disco de estreia (Ballads of Living and Dying), Marissa Nadler está de volta em 2005 com The Saga of Mayflower May, mais um conjunto de canções envoltas num misticismo inquebrável, intocável, ora explorando a luminosidade que desce dos cĂ©us e ilumina os cantos das ruas, ora se aventurando pela escuridĂŁo que o desaparecer do sol deixa ficar para se desenvolver pela noite dentro. O motivo parece continuar a ser o recriar da herança deixada pela folk dos anos 60 (nomeadamente Vashti Bunyan e Buffy Sainte-Marie), a força de escrever canções que por vezes nĂŁo sĂŁo mais do que baladas de tom medieval, elemento presente em algumas das canções deste disco. É por isso com a maior das naturalidades que o salto temporal se sinta na pele logo desde o inĂcio. Com alguns ziguezagues pelo caminho. O que Ă© um facto Ă© que Marissa Nadler nĂŁo teria ficado nada mal em The Golden Apples of the Sun - a compilação da autoria de Devendra Banhart – onde figura por exemplo Josephine Foster, com quem a autora deste The Saga of Mayflower May parece ter mais afinidades (a teatralidade, o retorno a uma infância idealizada, a tradição, a inocĂŞncia das canções tocadas Ă volta de uma fogueira numa noite de luar), no que Ă actualidade da folk diz respeito.
É que como foi dito acima, Marissa Nadler, pegando nas formas tradicionais, explora os contrastes entre o escuro e o claro, o resplandecente e o sombrio. “Under an Old Umbrella” mostra pela primeira vez a voz sĂ©ria, ponderada e nebulosa de Marissa Nadler, e confirma que as aproximações ao registo inesquecĂvel de Hope Sandoval continuam mais do que presentes. AĂ, as linhas entrecruzadas e sombrias da sua guitarra fundem-se com sinos e com vozes que acompanham a sua numa canção que retrata um encontro debaixo do tal guarda-chuva velho, as cores do cĂ©u, dos olhos, do vinho. No tema seguinte, “The Little Famous Song”, segue pelo mesmo caminho da primeira acrescentando-lhe apenas os sons de uma flauta quase enternecedora em feira medieval de longa data. Quando pela primeira vez se vĂŞ o sol preguiçoso no cĂ©u, “Mr. John Lee (Velveteen Rose)” traz alguma esperança, na voz e na guitarra de Marissa Nadler e no Hammond de Brian Mctear, o co-produtor do disco. Quanto mais nĂŁo seja a esperança – e a lembrança da ternura – que Nick Drake trouxe ao mundo. A luminosidade prossegue em “Damsels in the Dark”, mas sĂł no que Ă mĂşsica propriamente dita diz respeito, pois a mensagem Ă© de consternação: “Photographs of your face, against the wind, against the rain/ I’m gonna burn them all and bury your name”.
E Ă© entĂŁo Ă sexta tentativa, alguns ziguezagues mais tarde, que Marissa Nadler consegue a canção perfeita: “Yellow Lights” Ă© tĂŁo simples quanto preciosa. Mais uma vez as cores: o azul, o verde, o cinzento, o vermelho. O misturar dos sentimentos, a involuntária passividade na altura de ver alguĂ©m desaparecer para local incerto. O hipnotismo de “Old Love Haunts Me in the Morning” Ă© apenas uma das formas possĂveis de relatar o amor com um lago, o sol ou o luar e o VerĂŁo como testemunhas principais. “My Little Lark” - que conta de novo com a ajuda de Brian Mctear no ĂłrgĂŁo – Ă©, ao que parece, a Ăşltima faixa digna de destaque deste disco; uma que segue na perfeição as ambiĂŞncias da já citada “Yellow Lights”, e por isso merecedora de pĂłdio. E o mesmo se pode dizer deste The Saga of Mayflower May, fiel seguidor do trabalho concretizado em Ballads of Living and Dying e ao mesmo tempo um dos melhores discos folk da colheita 2005. Com selo da Eclipse, claro está.