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The Stone Roses The Stone Roses

1989


Quando em 1989 Ian Brown desejou saber se seríamos “Made of Stoneâ€, dificilmente poderia ter calculado que a repercussão da sua curiosidade lhe traria tanto culto. E foi, isso mesmo, o resultado da estreia homónima do colectivo de Manchester numa prova inequívoca de que alguns registos são merecedores da almejada intemporalidade. À voz de Ian Brown, juntam-se John Squire, na guitarra, Gary Mounfield (Mani), no baixo, e Alan Wren (Reni), na bateria. A produção, a cargo de nomes como John Leckie ou Peter Hook (New Order) deixa antever um lançamento aguardado com expectativa.

Numa altura em que o deslumbramento pelas correntes rock esmorece em detrimento da contagiante vaga acid house, os Stone Roses trocam as voltas ao fenómeno e fundem as duas atitudes num harmonioso equilíbrio de forças. Estava dado o mote para a associação imediata da banda ao movimento conhecido por Madchester, que os colocaria lado a lado com formações como os Happy Mondays dos irmãos Ryder ou os Inspiral Carpets. Madchester foi, no entanto, para a banda de Ian Brown designação non-grata da qual quiseram sempre demarcar-se. Mas, com ou sem loucura mancuniana à mistura, os Stone Roses souberam tirar proveito dos novos ares respirados na sua cidade natal.

Esta conjectura não deve contudo ofuscar a razão principal pela qual o álbum ascendeu ao estatuto de obra-prima: o conteúdo em si, naturalmente. E, à cabeça de todas as mais-valias nele presentes, encontra-se uma secção rítmica notável que deixa a descoberto uma conjugação dos elementos guitarra-baixo-bateria no limiar da perfeição, ao mesmo tempo que confere aos seus executantes o papel de prementes protagonistas. E para corroborar esta afirmação não é preciso ir longe na audição do registo. A faixa de abertura “I Wanna Be Adored†é habilmente introduzida por uma gradual apresentação do arsenal rítmico que fará parte da composição. Uma intro absolutamente memorável que surge a partir de uma linha de baixo que tanto tem de simples como de eficaz e que antecede a entrada triunfal da guitarra imensa de John Squire no auge da sua requintada inventividade. Pelo disco passariam igualmente laivos criativos a espreitar outras sonoridades, como na adaptação folky de “Scarborough Fairâ€, da autoria de Simon & Garfunkel, que deu forma a “Elizabeth My Dear†ou a recta final de “I am the Resurrection†em consonância perfeita com um revival da tradição funk que emergia do outro lado do Atlântico.

Ian Brown é o transmissor das missivas do grupo dadas a conhecer num tom de ironia e cinismo desconcertantes, nomeadamente nos ataques à rainha que povoam a curta duração de â€Elizabeth My Dearâ€. De resto, por todas as vezes em que o discurso directo é utilizado sarcasticamente para diferenciados receptores, Brown mantém a mesma linha melódica característica da sua voz, mesmo quando anuncia em “Bye Bye Badman†: I’ve got bad intention / I intend to knock you down. Estes e outros pormenores de eleição fizeram de cada faixa deste álbum um possível cartão de visita para a sua escuta. Numa altura em que ainda conhecíamos o seu paradeiro, Richey – Manic Street Preachers – James apontou This is the One como sendo a sua canção favorita de sempre.

Acima de tudo, os Stone Roses souberam vencer com argumentos diferentes dos habituais. John Squire mereceu o estatuto de criativo guitarrista sem grandes malabarismos de execução, da mesma forma que Ian Brown foi o incontestado e aclamado líder sem nunca ter sido creditado por vocalizações prodigiosas, factos que nunca induziram a crítica a acusá-los de mérito fraudulento. Ao invés, os anos vindouros encarregar-se-iam de demonstrar a influência do quarteto de Manchester nas sonoridades e posturas adoptadas por músicos subsequentes. Quando questionado acerca do significado da mensagem de “I Wanna Be Adoredâ€, Ian Brown remete-a para todos aqueles que aspiram à adoração pela fama, negando que seja referente a si ou à sua vontade própria. Quem diria?


Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net
21/10/2005