Muitos dos jovens do meu escalão etário (aquele que ronda perigosamente a idade adulta mas ainda pisca o olho regularmente à adolescência) têm um problema sintomático em relação à colecção de discos dos seus pais. Na verdade, não passa de uma incompreensão em relação aos métodos que o mundo toma para transformar um ser humano descontraído e com tudo a ganhar num adulto preocupado e tenso. Por vezes, quando era mais novo, questionava-me sobre a razão que levou o meu pai, antigo cabeludo e adepto de Led Zeppelin, a deixar de ouvir o Stormbringer dos Deep Purple e os discos numericamente nomeados dos semi-deuses da escadaria para o Céu. Quando, pela primeira vez, me doeu a cabeça ao aumentar o volume da aparelhagem para o máximo, apercebi-me do sentido da evolução e comecei a depreender que, à medida que a idade e a experiência avançam, maior é a necessidade de encontrar o prazer da moderação e não na situação limite extrema. É este o posto que determina a idade. Na verdade, o meu pai continua a ser o mesmo que, há 30 anos, ouvia Triunvirat (e, leia-se, continua a apreciar e a reconhecer o que encontrava de atractivo nas melodias excêntricas da banda). Apenas, agora, encontra maior satisfação em ambiências harmonicamente mais simples e, refira-se com ênfase, em volumes inferiores.
O último disco dos belgas dEUS, Pocket Revolution, espelha um pouco desta evolução, que, não sendo subjectiva, faz parte da evolução de um colectivo enquanto entidade independente. Se fizermos uma rápida análise, temos o disco de 1994, Worst Case Scenario, como a exaltação de tudo o que é activo, dos prazeres imediatos, da vivência ao momento; My Sister My Clock representa as primeiras crises de identidade; In a Bar Under The Sea, as primeiras influências do encontro com a plenitude na moderação e The Ideal Crash já pega várias vezes no velho sofá da sala para uma reflexão sobre todo o tempo que passou. Pocket Revolution traz-nos de volta a uma casa que já conhecemos mas sob o ponto de vista do observador atento, muito mais do que membro activo do mundo presente.
”Bad Timing” leva-nos para casa, fecha delicadamente a porta e conduz-nos a olhar curiosamente à janela. “7 Days, 7 Weeks” cria o ambiente familiar, conforta e aconselha, enquanto ouvimos, atentamente, a quem devemos respeito e confiança, numa tarefa que continua mais tarde, em “The Real Sugar”. “If You Don’t Get What You Want” mostra-nos recordações dos dEUS de que, verdadeiramente, sentimos falta neste interregno de cinco anos e alguns meses. Claramente trata-se da visualização de uma recordação, mas daquelas que parecem incrivelmente reais e que ainda fazem sentir o mesmo, numa tarefa (repare-se no paralelismo), terminada em Sun Ra. O nosso conhecido “Nothing Really Ends” termina o disco com uma reminiscência clara de um ambiente Cohenesco, no único momento do disco que, talvez, destoe da escolha da sequência de canções. Na verdade, até será possível questionarmo-nos sobre a relevância de incluir uma canção antiga num disco novo. Porém, apenas Tom Barman saberá responder a esta pergunta.
Uma das últimas frases de Pocket Revolution é “Could it still be/that you still love me?”. Terminado e ouvido que está o último LP de dEUS, e esperando ansiosamente pelas datas marcadas para Portugal, em Dezembro, podemos, seguramente e com convicção, definir a resposta como afirmativa.