Discos há que vencem os ouvidos por desgaste. Co Adriaanse, treinador do Futebol Clube do Porto, revelava há algum tempo que “por vezes é necessário desgastar o adversário com uma série de socos até deixá-lo K.O.â€. A persistência de pugilista valeu ao FCP três pontos conquistados com três golos súbitos diante de um Rio Ave até ali invicto. Orientado por uma filosofia semelhante, End of Love engraxa a paciência permitida por cada um até fazer brilhar nessa superfÃcie o reflexo da sua simpatia. Não quer isso dizer que o quinto disco dos Clem Snide aparente um sorriso narcisista. Em vez disso, a noção que prevalece é a de que Eef Barzelay (autoridade entre o colectivo de New Jersey) estaria tão seguro da eficácia de três golpes (o conveniente “Collapseâ€, “Something Beautiful†e “Made For TV Movieâ€) que não hesitou em intercalá-los com movimentos esquivos que nada acrescentam ao resultado final.
Para bem do espaço reservado a discos em segunda mão, é de saudar que Eef Barzelay não dê asas a uma prolificidade megalómana. Assim, falha menos vezes. Terá direito a um maior número de favores sexuais, que alguém prometia a Ryan Adams (parceiro de catálogo na Fargo) por cada canção sonante que se adivinhasse entre as centenas que lança entre discos e bootlegs. Ryan proclamava que o amor é um inferno. Os Clem Snide vão mais longe e, num tom apocalÃptico-light, ditam que ninguém sobreviverá ao fim do amor. Pregam a palavra com a mão direita sobre um country-rock dissimulado, que parece brotado directamente do tédio acumulado em quartos de motéis baratos (partindo do princÃpio que os prometidos favores sexuais ficaram à porta). Imaginem o que Michael Stipe faria a Automatic For The People após emborcar duas garrafas de Jack Daniels e a projecção não distará de End of Love.
Os pratos temáticos são projectados no ar aos pares. A Europop bifurcada em “The Sound of German Hip Hop†e “Tiny European Cars†corresponde respectivamente um tiro ao lado dos Fantaschien Vier (procura-se paradeiro) e a pontaria de um par de trocadilhos inteligentes. A parelha religiosa “Jews for Jesus Blues†e “God Answers Back†vale ao atirador pontuação zero. Na verdade, a segunda atreve-se a uma pompa domingueira de tal forma solarenga que não seria absurdo compará-la a uma paródia amanhada pelos embaraçosos Fúria do Açúcar. “Something Beautiful†acerta na mouche com um sussurrar cinéfilo semelhante ao que levou Beth Gibbons a contribuir com a sua voz para o disco de Rodrigo Leão que celebra esse gosto pelo celulóide.
Os Clem Snide são genuinamente pagodeiros e perigosamente ingénuos. Parecem incapazes de abrigar algumas convicções musicais sem deixar outras tantas fragilidades a descoberto. A cada faixa apreciável corresponde outra dispensável. End of Love é uma agulha enferrujada num palheiro escasso em ideias.